06/03/2025

STJ é favorável a honorários para advogado que livrar bens de sócio da execução de empresa

Por: Laura Ignacio
Fonte: Valor Econômioo
Uma recente decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
pacificou o entendimento de que devem ser pagos honorários advocatícios
(de sucumbência) quando for negado o pedido, realizado no curso de um
processo de cobrança (execução), para que bens de sócio sejam bloqueados
para o pagamento de dívida da empresa - o chamado Incidente de
Desconsideração de Personalidade Jurídica (IDPJ). O julgamento se deu por
maioria dos votos.
Especialistas afirmam que a definição pela Corte Especial pode passar a inibir
pedidos de IDPJ - o que reduziria o risco de sócios serem incluídos nos
processos de cobrança das empresas. Com isso, é provável também uma
diminuição de demandas no Judiciário. No mais recente relatório “Justiça em
Números” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foram registrados 83,4
milhões processos em trâmite no país, sendo mais de 50% ações de execução,
com uma taxa de congestionamento média que passa de 80% (de cada cem
processos 80 não são resolvidos).
Além disso, a obrigação de pagamento dos honorários de sucumbência pode
tornar a recuperação de créditos mais cara, o que impactaria o mercado por
meio do spread bancário (diferença entre os juros que o banco cobra ao
emprestar e a taxa que ele mesmo paga ao captar dinheiro).
“Considerando a efetiva existência de uma pretensão resistida, manifestada
contra terceiro(s) que até então não figurava(m) como parte, entende-se que a
improcedência do pedido formulado no incidente, tendo como resultado a não
inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide - situação que se
equipara à sua exclusão quando indicado desde o princípio para integrar a
relação processual -, mesmo que sem a ampliação do objeto litigioso, dará
ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi
indevidamente chamado a litigar em juízo, como vem entendendo a doutrina”,
declarou no voto o ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva (REsp 2072206).
O tema da desconsideração da personalidade jurídica, para alcançar bens de
sócios, é debatido desde antes da reforma do Código de Processo Civil (CPC)
no ano de 2015. Nas discussões sobre direito do consumidor, meio ambiente,
defesa da concorrência e, especialmente, trabalhistas era comum primeiro o
bloqueio da conta bancária do sócio e, depois, ele podia tentar provar que não
deveria pagar por aquilo.
Não é porque o sócio tem dinheiro que deve responder pela dívida da empresa”
— Cassio S. Bueno
No Judiciário, uma corrente defendia que seria preciso entrar com uma ação
judicial própria (novo processo) contra o potencial devedor para o
reconhecimento dos requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica
e o consequente redirecionamento da dívida para sócios ou administradores.
Outra linha era de que se a ação de execução já está em estágio avançado no
Judiciário e se chegou à conclusão de que os bens dos sócios se confundem
com os da empresa, por exemplo, seria possível pedir ao juiz a desconsideração
naquele mesmo processo.
Em 2015, com a reforma do CPC ficou estabelecido um rito para o IDPJ. “Isso
foi tido como um avanço porque ajudou a simplificar a forma como se introduz
o diálogo com terceiro que seria atingido por meio da cobrança”, afirma Elias
Marques de Medeiros Neto, professor de Direito Processual Civil e sócio de
resolução de disputas do escritório TozziniFreire. “Ficou estabelecido que, se
averiguados certos indícios, os sócios podem ser apontados como potenciais
responsáveis no processo já em curso, o juiz intima, eles se defendem e então
há o julgamento”, diz.
Tais requisitos para a promoção da desconsideração da personalidade jurídica
de sócio estão no artigo 50 do Código Civil: desvio de finalidade (fraude para
lesar credores) e confusão patrimonial (transferência de ativos ou passivos, por
exemplo).
Porém, acabou surgindo a dúvida se haveria condenação ao pagamento de
honorários de sucumbência para o advogado do sócio, quando o IDPJ é julgado
improcedente. Afinal, ele teria tido o trabalho de defender o administrador
inocente. A questão virou polêmica por haver divergência, tanto na doutrina
quanto na jurisprudência. “Agora, os tribunais do país que julgarem o assunto
deverão se orientar pelo recente julgado da Corte Especial”, diz Medeiros.
“Ficou expressamente previsto que tanto faz se o debate sobre a
desconsideração da personalidade jurídica ocorreu no procedimento comum ou
por meio de incidente, conforme o voto do ministro Cueva, cabem os
honorários”, afirma. Para Medeiros, o acórdão só não foi preciso quanto à
dosagem. “Pode ser aplicado o honorário de 10% a 20% dos valores
envolvidos, ou o arbitramento de acordo com o trabalho desenvolvido pelo
advogado, outra polêmica na advocacia”.
Segundo especialistas, a decisão também é um alerta de que o IDPJ precisa ser
usado de forma responsável para evitar o pagamento de honorários de
sucumbência. “Ganha importância fazer uma pesquisa prévia, por exemplo, de
registros de imóveis, transferências de bens em órgãos públicos como Detran,
que são possíveis de serem feitos no formato extrajudicial, para saber se de fato
há indícios para a desconsideração da personalidade jurídica”, afirma Medeiros.
Outro meio de prevenção de riscos, diz o advogado, é fazer a produção
antecipada de provas prevista no artigo 381 e seguintes do CPC. “É possível
ajuizar ação para fazer uma perícia previamente, buscando a produção de
documentos e, assim, saber se os requisitos para um IDPJ estão presentes”,
afirma.
O recurso analisado pela Corte Especial do STJ é de uma securitizadora de
créditos mercantis. Segundo o advogado Felipe Ballarin Ferraiolli, que
representou o sócio no processo, o próximo passo é executar os honorários.
“Prevaleceu o direito do advogado porque o IDPJ demanda um trabalho a mais
do profissional que é contratado para defender os sócios”, afirma. “Agora, há
prazo para a proposição de embargos e podem ainda tentar recorrer no STF
[Supremo Tribunal Federal], mas acho difícil que modifiquem a decisão”, diz.
O ministro Cueva apontou esta discussão para definição pela Corte Especial
em razão de divergência entre as Turmas. Ele convocou algumas entidades para
participar, entre elas o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). “O
Judiciário não pode tentar alcançar o patrimônio de alguém sem uma ação para
justificar que o sócio, pessoalmente, tenha que responder pela dívida da
empresa, assim, é como uma ação nova e cabem honorários quando é rejeitada
ou acolhida”, diz o presidente do IBDP Cassio Scarpinella Bueno.
O especialista lembrou que a imposição de honorários de sucumbência quando
o trabalhador perde, por meio da reforma trabalhista, causou uma queda
enorme nas reclamações ao Judiciário. “Agora, sobre o IDPJ, é uma questão de
litigância responsável, quase um ‘pensa duas vezes’ porque não é porque o sócio
tem dinheiro que deve responder pela dívida da empresa”, afirma.
A desconsideração da personalidade jurídica, explica Bueno, não é para um caso
de crise ou porque teve pandemia, mas para quando o sócio usa a empresa para
benefício pessoal.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) também participou do processo
julgado pela Corte Especial. Por meio de nota enviada ao Valor, disse entender
que “os honorários de sucumbência em caso de rejeição do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica devem ser aplicados de forma
equânime para as partes, independente de quem tenha o direito reconhecido”.
“A Febraban respeita a decisão do STJ e aguarda a publicação do acórdão para
avaliar eventuais medidas cabíveis”, concluiu.