Rombo na Eletros chega a R$ 1 bilhão, e desconto quase zera benefícios
Por: Liane Thedim
Fonte: Valor Econômico
Cerca de 630 aposentados da Eletros, fundo de pensão da antiga estatal
Eletrobras, começam a receber nesta semana contracheques com descontos de
quase a totalidade do benefício. Essas pessoas, com idade média de 80 anos,
estavam amparadas por uma liminar que suspendeu em 2020 a cobrança de
parcelas extraordinárias para cobrir déficits do plano de benefício definido da
fundação em 2011, 2013, 2015, 2020 e 2021. A decisão, no entanto, foi cassada
em 2024 e, agora, tudo que deixou de ser pago no período, o equivalente a R$
170 milhões, será descontado em percentuais levando em conta a expectativa
de vida de cada um.
O quadro do plano é grave. De acordo com balancete de 26 de dezembro de
2024, se todos os déficits forem somados, o total chega a R$ 1,04 bilhão, o
equivalente a 63% do patrimônio de 1,667 bilhão. Em 2023, o resultado
acumulado ficou no negativo em R$ 78 milhões e em 2024, até novembro, em
R$ 234 milhões.
Cristina Almeida, da Associação dos Assistidos dos Planos Previdenciários da
Eletros (AABD), diz que a rentabilidade do plano de benefício definido em
2024 foi de 0,2% para uma taxa atuarial de 10,2% no ano de 2024. Ou seja,
outro plano de equacionamento terá de ser feito em breve, se nada mudar nas
regras. “A gestão não é eficiente. É um plano que está entrando em colapso e
precisa de ajustes estruturais e financeiros”. afirma.
A AABD reúne 142 participantes do plano de benefício definido, com idade
média de 76 anos, que não foram à Justiça e desde 2020 estão pagando as
parcelas extraordinárias. Os valores hoje correspondem a 30,35% dos
proventos brutos. Somados às contribuições correntes (que garantem pensão
após a morte do beneficiário), os descontos levam mais de 40%, sem contar o
Imposto de Renda e, quando é o caso, plano de saúde e pensão alimentícia em
folha.
A entidade que obteve a liminar em 2021 suspendendo os descontos foi a
Associação dos Aposentados Participantes da Eletros (Apel). Agora, essa
associação aguarda a decisão do recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ),
que pode sair até abril. O presidente da Apel, Paulo Roberto Silveira, conta que,
nesse meio tempo, mais de cem participantes morreram. Atualmente, são 635,
sendo 570 assistidos e 65 pensionistas.
É um plano que está entrando em colapso e precisa de ajustes estruturais e
financeiros”
— Cristina Almeida
Os dois grupos de aposentados são a face visível de um problema que se arrasta
desde 2005, quando Eletros e Eletrobras decidiram criar um plano de
contribuição definida. Os funcionários da ativa poderiam mudar para ele, mas
os já aposentados foram vetados. A migração esvaziou o patrimônio do plano.
Em 2005, eram 1,5 mil aposentados e pensionistas e 1,2 mil ativos. Dos que
ainda trabalhavam, sobraram cerca de 400.
O déficit era uma questão de tempo. No entanto, na ocasião da migração, foi
incluído no estatuto do plano de benefício definido um artigo que garantia que
rombos futuros seriam totalmente cobertos pela Eletrobras para os já
aposentados, apelidados pela Eletros de “blindados”. O primeiro rombo da
história da Eletros veio em 2008, após superávit de R$ 302,7 milhões em 2007.
“Quando novos entrantes são bloqueados, a possibilidade de desequilíbrio é
grande”, diz Silveira.
A Eletrobras chegou a pagar os primeiros déficits, e os descontos começaram
para os “não blindados”, ou seja, que não eram aposentados no fechamento do
plano, em abril de 2006. Mas, em 2016, a Secretaria de Coordenação e
Governança das Empresas Estatais (Sest) e a Superintendência Nacional de
Previdência Complementar (Previc) questionaram a constitucionalidade do
artigo que exigia a cobertura total pela Eletrobras, e em 2018 as cobranças
foram suspensas.
Em 2019 os cálculos foram refeitos e os blindados, incluídos nos
equacionamentos. A participação da Eletrobras foi reduzida à proporção
contributiva, ou seja, deixou de ser solidária. O atraso no início da cobrança
causou impacto da ordem de R$ 400 milhões ao plano, pois os déficits foram
corrigidos pela meta atuarial. No mesmo ano, a Eletros assinou um termo de
ajustamento de conduta (TAC) e, em 2020, excluiu o artigo do estatuto. “A
mudança foi aprovada no conselho deliberativo, e fui o único voto contra, me
recusei a assinar o TAC”, diz Jack Steiner, então presidente da Apel, hoje no
conselho deliberativo da entidade.
A Apel foi à Justiça em fevereiro de 2020 e obteve, em julho de 2021, na 14ª
Vara Federal, a liminar que determinava que os descontos fossem
interrompidos e devolvidos aos aposentados e pensionistas. No entanto, em
abril do ano passado, o Tribunal Regional Federal 2ª Região julgou procedente
a contestação de Eletrobras, Eletros e Previc. “Houve quebra de segurança
jurídica”, diz Silveira. “Pessoas que tinham confiança num documento que a
própria Eletrobras assinou estão sendo tratadas com crueldade.”
Diante do cenário cada vez pior, a Eletros chegou a dar uma chance de migração
para o plano de contribuição definida, mas teve adesão de apenas 17%. “O
desempenho desse plano é ainda pior. Além disso, quando migra o participante
tem que equacionar o déficit à vista”, diz Almeida. “O problema é que, a cada
migração, o plano de benefício definido vai ficando enfraquecido, porque vão
os mais jovens.”
Jany Mosso, 77 anos, está entre os que não quiseram migrar. Ela faz parte do
grupo que está na Justiça contra a Eletros e há sete meses vive um pesadelo
com os descontos, que agora ficarão ainda maiores com os atrasados. “Estou
vivendo das poucas economias que tenho e que terminarão em breve”, diz.
Aposentada há 30 anos, depois de 23 anos de serviço na Eletrobras, Mosso
conta que os cálculos indicam mais 13 anos de descontos. “Tenho colegas que
não tinham reserva e estão sem a mínima condição de viver.”
Já o grupo que preferiu não ir à Justiça e continuou pagando as contribuições
extraordinárias, reunido na AABD, fundada em 2015, tem outras reivindicações
e atua junto a Eletrobras, Eletros e Previc em busca de avanços. Almeida explica
que a ex-estatal, privatizada em 2022, só entra no equacionamento do déficit se
ele aconteceu enquanto o funcionário estava na ativa. Como quase a totalidade
dos assistidos está fora da ativa, a proporção contributiva está em 5% para a
empresa e 95% para aposentados e pensionistas.
“Não temos a contrapartida da Eletrobras. A Previc alterou a legislação para
que as patrocinadoras não pagassem integralmente os planos de
equacionamento e poupar a União, mas isso se virou contra os assistidos”, diz.
“É preciso rever as regras.”
A AABD pede que a Eletrobras entre com metade das contribuições
extraordinárias e das contribuições normais, prática presente em outros fundos
de estatais. Além disso, reivindica a imunização da carteira, que tem 19% em
renda variável, entre outras propostas. “Não há motivo para esse perfil
agressivo de investimentos”, diz Almeida.
Procurada pelo Valor, a Eletrobras afirmou, em nota, que cumpre as
determinações legais e regulatórias vigentes e se mantém aberta ao diálogo em
busca de soluções conjuntas. A Eletros, também por e-mail, negou que existam
contracheques praticamente zerados, embora o Valor tenha vários relatos de
associados da Apel nesse sentido. “Em alguns casos, o assistido impactado por
pensão alimentícia, empréstimo adquirido junto ao Plano de Benefícios, entre
outros descontos individuais, acaba sofrendo uma redução significativa no seu
benefício. Entretanto, não há benefícios zerados”, disse a fundação.