Projeto do governo que aumenta poder antitruste contra big techs está pronto para ser enviado à Câmara
Por: Patrícia Campos Mello
Fonte: Folha de S. Paulo
O governo Lula bateu o martelo sobre o projeto de lei que amplia o poder
antitruste contra as big techs, e o texto está pronto para ser enviado à Câmara
nas próximas semanas. A expectativa é que a ministra da Casa Civil, Gleisi
Hoffmann (PT-PR), discuta a estratégia de tramitação do PL dos mercados
digitais com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), em
breve.
Pelo texto acordado, em vez de apenas determinar se há violação da lei de
concorrência após uma fusão, por exemplo, o Cade (Conselho Administrativo
de Defesa Econômica) teria poder para estipular correções de conduta a
empresas previamente designadas como de "relevância sistêmica" em seus
determinados mercados. Por esse critério, seriam alvo apenas as empresas com
maior poder de mercado —não mais que dez ou 15 grandes companhias.
O projeto se inspira na Lei de Mercados Digitais, Concorrência e Consumidores
que entrou em vigor em 2024 no Reino Unido. No Brasil, segundo o projeto,
uma superintendência independente de mercados digitais a ser criada no Cade
ficaria encarregada de revisar e fiscalizar o cumprimento da lei.
Para designar uma plataforma como sistemicamente relevante, haveria uma
audiência pública com participação da sociedade civil e das empresas. Só depois
o tribunal do Cade julgaria se determinada empresa tem relevância sistêmica. A
partir daí, passando pelo mesmo processo com audiência pública, haveria um
julgamento do Cade para determinar quais correções de conduta seriam
impostas a cada empresa designada.
Na visão do Ministério da Fazenda, com a legislação de concorrência atual, os
processos no Cade não acompanham a velocidade dos negócios e da inovação
nas big techs e leva anos até que se tenha recomendações ou decisões. Por isso
o texto prevê estabelecimento de obrigações antes de algum processo ser
concluído, para as empresas sistemicamente relevantes.
A lei antitruste é encarada como a via com menos obstáculos para regulação das
big tech. "O Congresso está mais 'cru' nessa discussão de regulação econômica,
então é possível que o campo esteja mais aberto", diz Francisco Brito Cruz,
professor de Direito Digital do IDP.
Parcelas do governo veem muitas dificuldades em apresentar um projeto que
verse sobre moderação de conteúdo na internet neste momento, apesar de um
texto estar em estágio avançado de discussão no Ministério da Justiça. Tal como
o finado PL das fake news, o assunto é visto como pouco palatável, porque a
oposição faz campanhas intensas contra esse tipo de legislação, carimbando-a
com o rótulo de "censura". Mas parte do governo ainda insiste em que os dois
projetos, o de moderação de conteúdo e o dos mercados digitais, sejam
apresentados ao mesmo tempo.
As discussões para a criação de um imposto digital estão em banho-maria, após
o imbróglio do Pix, que foi um dos motivos para a queda de popularidade do
governo. O Ministério da Fazenda anunciou no início do ano um
monitoramento de transações por Pix acima de R$ 5 mil por mês. Mas o
governo recuou após a medida ser alvo de uma campanha de desinformação,
com alegações infundadas de que o governo passaria a taxar a ferramenta.
A proposta antitruste enfrenta oposição das big techs.
A principal crítica é que o processo traria muita incerteza e inibiria inovação,
porque o Cade examinaria caso a caso para determinar obrigações de cada
empresa. Para Carlos Ragazzo, professor da FGV-RJ, ex-superintendente-geral
do Cade que elaborou um parecer para a Associação Latino-Americana de
Internet (Alai), é necessário identificar uma falha de mercado antes da
imposição de obrigações. Ele aponta também para a necessidade de análise de
custo e benefício para cada obrigação estipulada, e questiona a capacidade do
Cade de cumprir essas novas funções.
Representantes das big techs afirmam que essa regulação pode se tornar a nova
"taxa das blusinhas", uma medida que vai encarecer produtos de baixo valor
consumidos pelas classes mais baixas e pode custar votos ao governo a pouco
mais de um ano eleitoral. Um dos exemplos de empresas que seriam afetadas é
o gigante do varejo eletrônico Amazon. Segundo as big techs, haverá um custo
para se enquadrar na nova lei, que será repassado ao consumidor.
O governo brasileiro acha que o momento atual dá impulso à legislação. Nos
EUA, a justiça determinou no ano passado que o Google é monopolista em
mecanismos de buscas e estuda se irá pedir o desmembramento da empresa. Na
semana passada, um juiz federal decidiu que o Google agiu ilegalmente para
manter um monopólio em publicidade online. Além disso, foi iniciado um
julgamento contra a Meta a partir de processo movido pelo Departamento de
Justiça, por suposto comportamento anticompetitivo ao comprar concorrentes.
Na quarta-feira (23), Apple e Meta foram punidas na União Europeia por violar
a legislação antitruste digital, a Lei de Mercados Digitais. A Apple foi multada
em 500 milhões de euros (R$ 3,2 bilhões) e a Meta, em €200 milhões (R$ 1,28
bilhão).