27/05/2025

Por risco de prescrição, Carf dará prioridade a casos parados há quase três anos

Por: Diane Bikel
Fonte: Jota Tributario
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) começou a dar
prioridade à movimentação dos processos aduaneiros passíveis de prescrição
intercorrente que estão próximos de completar três anos no tribunal. A intenção
do presidente do conselho, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, é acelerar a
distribuição para que os casos sejam incluídos em pauta e posteriormente
sobrestados, de modo a interromper o prazo prescricional.
O movimento ocorre após a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no
Tema 1.293, que reconheceu a aplicação da prescrição intercorrente, que ocorre
quando um processo permanece parado por mais de três anos sem decisão ou
despacho relevante, às infrações aduaneiras de natureza administrativa (e não
tributária). Ou seja, com o entendimento da Corte superior os processos
relacionados ao controle de trânsito internacional de mercadorias ou à
regularidade do serviço aduaneiro parados há mais de três anos podem ser
encerrados.
A tese foi fixada em março, por unanimidade , no julgamento dos REsp
2.147.578/SP e 2.147.583/SP, julgados como repetitivos. Prevaleceu o voto do
relator, ministro Paulo Sérgio Domingues, que entendeu pela aplicação de
prescrição intercorrente nos casos em que o processo envolvendo apuração
aduaneira, de natureza não tributária, permanecer paralisado por mais de três
anos. Os ministros também definiram que a prescrição não se aplica nos casos
em que a infração, ainda que ocorrida em contexto aduaneiro, estiver
relacionada à arrecadação ou fiscalização de tributos.
Segundo dados do Ministério da Fazenda, ao menos 3.405 processos no Carf
que tratam de matéria aduaneira completarão três anos até julho. Isso, porém,
não significa que todos serão atingidos pelo entendimento da Corte, já que
muitos envolvem também questões tributárias, às quais a tese do STJ não se
aplica. A expectativa é que os conselheiros analisem cada caso individualmente,
verificando se o processo envolve questões tributárias ou se de fato trata
exclusivamente de matéria aduaneira.
Segundo explicou o presidente da 3ª Seção de Julgamento do Carf, Régis Xavier
Holanda, a decisão do STJ não se aplica a todas as multas existentes. Isso
porque, na origem, os recursos analisados pelo STJ tratavam especificamente
da penalidade prevista no artigo 107, inciso IV, alínea “e”, do Decreto-Lei nº
37/66. O dispositivo trata da infração por deixar de prestar informações, ou
prestá-las fora do prazo, sobre a chegada de mercadorias ou veículos, na forma
e prazo estabelecidos. Até o momento, essa é a única multa aduaneira cuja
natureza administrativa foi expressamente reconhecida pelo STJ, segundo
Holanda, ainda que o texto da tese aprovada não mencione essa ou outras
penalidades.
"Para cada multa aduaneira a gente vai ter uma discussão no colegiado se a
multa aduaneira se enquadra no controle de trânsito de mercadoria ou
regularidade do serviço aduaneiro. Se enquadrar nisso, será enquadrada como
uma multa de natureza adminsitrativa e vai incidir [a prescrição intercorrente]",
disse.
De acordo com ele, atualmente há 102 processos com risco de prescrição
parados no Carf há entre dois e três anos, aguardando distribuição. Em abril,
esse número era de 159. A expectativa é zerar esse estoque até o fim de maio,
com a inclusão desses casos como prioridade na pauta, mesmo os que envolvam
múltiplas matérias. Nesses casos, bastando que uma delas seja passível de
prescrição, todo o processo será sobrestado.
No âmbito do Carf, o artigo 100 do Regimento Interno determina o
sobrestamento dos processos quando há acórdão de mérito no STF ou no STJ
ainda pendente de trânsito em julgado. É o caso do Tema 1.293, que conta com
embargos de declaração ainda não analisados.
“A ideia hoje é evitar que processos de multa aduaneira completem os três anos.
Então, está sendo priorizada a formação de lote desses processos e distribuídos
aos conselheiros. A gente vai julgar uma parte grande desses processos, seja nas
turmas ordinárias, seja nas turmas extraordinárias”, disse Holanda.
Apesar do esforço do Carf em dar prioridade a esses processos, a paralisação
dos conselheiros fazendários, em razão da greve dos auditores fiscais,
compromete a efetividade do pedido. Embora o conselho faça um esforço
concentrado para sortear e distribuir os processos de maior risco, a tramitação
depende da indicação do relator para inclusão em pauta de julgamento. Esse
passo, portanto, fica inviabilizado nos casos que recaem sob responsabilidade
dos conselheiros fazendários.
A presidência do Carf tem reforçado o pedido para que esses processos sejam
pautados com urgência, ainda que em sessão extraordinária (por conta da
greve), nos casos que caibam nesse formato, mas admite que, diante da
paralisação, muitos devem acabar ultrapassando o prazo de três anos. Em nota
técnica à qual o JOTA teve acesso, a administração do Carf reafirma a
necessidade de sobrestar os processos afetados pela tese, a fim de evitar a
prescrição.
O conselheiro Laércio Uliana, da 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção, destacou
que o simples andamento processual não basta para afastar a prescrição. Para
ele, é necessário que haja um ato com caráter decisório, como um julgamento
ou despacho de mérito. O sobrestamento dos processos, por exemplo, diz, ao
ser deliberado pelas turmas, possui esse caráter decisório e, por isso, também
pode ser considerado como interrupção da prescrição.
Natureza das multas
Apesar da tese fixada pelo STJ, alguns pontos precisam ser enfrentados pelo
Carf após o trânsito em julgado do Tema. O principal deles é definir, na prática,
quais multas têm natureza administrativa, e admitem a prescrição, e quais têm
natureza tributária, e a prescrição não se aplica.
Segundo o presidente da 3ª Seção do Carf, uma infração aduaneira é
considerada tributária quando está relacionada à arrecadação ou à fiscalização
de tributos, e não ao controle do trânsito internacional de mercadorias. Holanda
afirma que, atualmente, há 78 tipos diferentes de multas aduaneiras que
precisarão de análise nos colegiados.
“A única multa com definição objetiva até agora é a do artigo 107, inciso IV,
alínea ‘e’, que foi objeto dos dois recursos julgados. Nas demais, será necessário
avaliar concretamente a natureza da sanção. A única segurança que a gente tem
do enquadramento do STJ de uma multa aduaneira de característica
administrativa e não tributária é essa”, disse ao JOTA .
Para o presidente do conselho, Carlos Higino, a quantidade de processos
aduaneiros afetados pela prescrição intercorrente será relativamente pequena.
Segundo ele, o debate se concentra nas sanções que não têm natureza tributária,
e nos casos em que a penalidade estiver vinculada à arrecadação de tributos, a
aplicação da prescrição será excluída. Assim, disse, a discussão será para
identificar essas situações específicas.
Segundo o advogado Carlos Augusto Daniel Neto, do escritório Daniel &
Diniz, algumas discussões podem se tornar mais sensíveis em relação ao
enquadramento de determinadas penalidades, como a de interposição
fraudulenta, por exemplo, o que exigirá das turmas uma análise mais criteriosa
sobre o objetivo da multa.
Marco da prescrição
Outro ponto ainda em aberto diz respeito ao marco da prescrição e, em especial,
à definição dos atos processuais que podem interromper o prazo de três anos.
Embora haja consenso de que decisões com caráter definitivo interrompam
esse prazo, não está claro nem para o presidente do Carf, Carlos Higino, nem
para o presidente da 3ª Seção, Régis Holanda, se a distribuição do processo, por
exemplo, seria o suficiente para isso. Ambos reconhecem que essa será uma
questão que deverá ser discutida pelas turmas durante o julgamento dos casos.
Para o presidente do conselho, aplica-se a prescrição em processo com três anos
sem movimentação, ao menos que ele tenha sido distribuído. "Se você olhar o
detalhe, não é três anos para julgar [..] a lei de prescrição não fala em três anos
para conclusão", comentou. Conforme ele, a análise deve ser feita processo a
processo, embora “tenha algumas coisas que são indiscutíveis”.
Holanda explicou que existem outras decisões que são certificadas ao sujeito
passivo, que, na sua visão, também poderiam interromper o prazo prescricional.
"Quando você decide uma admissibilidade do Resp [recurso especial,
endereçado à Câmara Superior do Carf], isso é um certificado ao sujeito passivo,
é uma decisão. Isso aí me parece que claramente estaria abarcada como uma
possibilidade de interrupção. Também quando você decide embargos de
declaração, ou a própria admissibilidade dos embargos. Me parece que essas
decisões, que geram uma certificação ao contribuinte e uma possibilidade de
manifestação, também seriam causas interruptivas”, disse.
Segundo o advogado Paulo Eduardo Mansin, do Lunardelli Advogados, a
legislação atual não define de forma clara se atos como o sobrestamento, a
distribuição ou outras movimentações intermediárias seriam suficientes para
interromper o prazo de prescrição intercorrente. Na visão dele, a tendência é
que essas interpretações sejam mais favoráveis aos contribuintes, considerando
apenas atos voltados à solução do litígio, como julgamentos ou decisões de
mérito passíveis de interromper o prazo.
É o que diz também o advogado tributarista Fernando Pieri Leonardo, do HLL
& Pieri Advogados. Segundo ele, para efeitos de interrupção da prescrição
intercorrente apenas são válidos atos com conteúdo decisório, como despachos
e/ou julgamentos e, portanto, simples movimentações processuais sem
manifestação de mérito não são aptas a afastar o prazo.
Modulação e STF
Apesar de o STJ não ter modulado os efeitos da decisão no Tema 1.293, o Carf
considera a possibilidade de que isso ainda ocorra a partir de embargos de
declaração. Para o presidente do conselho, a modulação seria fundamental para
trazer previsibilidade e permitir que o Carf tenha um prazo adequado para julgar
os processos afetados.
Alencar também não descarta a possibilidade de que a discussão acabe
chegando ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Se houver recurso, teremos que
acompanhar os desdobramentos. Mas, por ora, seguimos aguardando o trânsito
em julgado no STJ para aplicação da tese”, afirmou.
Há embargos apresentados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
(PGFN) no Tema 1293, mas eles não tratam de modulação. O pedido da
Fazenda é que o prazo de três anos previsto na Lei 9.873/1999 só comece a
contar após os 360 dias estabelecidos na Lei 11.457/2007 — tempo que a
administração tem para analisar e decidir manifestações apresentadas pelos
contribuintes em processos administrativos. Na prática, a interpretação
postergaria o início da contagem da prescrição, o que reduziria o alcance
imediato da decisão. O pedido segue pendente de análise. As partes já se
manifestaram, e o processo aguarda deliberação do relator.
Pieri Leonardo avalia que o artigo 24 da Lei 11.457/2007, citado pela PGFN
nos embargos, trata de pedidos administrativos como restituição ou
compensação, e não de processos de contencioso fiscal em curso na Delegacia
da Receita Federal de Julgamento (DRJ) ou no Carf. Segundo ele, o dispositivo
nunca foi aplicado a processos com tramitação nesses órgãos e não há
embasamento técnico para utilizá-lo. “São natureza jurídica de normas
diferentes com objetivos diferentes. A probabilidade é de não conhecimento”,
disse.