O stay period na recuperação judicial: os efeitos da suspensão das execuções contra a empresa, segundo o STJ
Fonte: STJ
Para viabilizar a recuperação da empresa que passa por dificuldades financeiras
ou estruturais, a Lei de Recuperação e Falência (LRF) – que completa 20 anos
neste domingo (9) – adotou o mecanismo de suspensão temporária das
execuções, conhecido como blindagem ou stay period. Como consequência dessa
suspensão, ficam impedidos quaisquer atos de constrição sobre o patrimônio
da sociedade em recuperação, possibilitando algum fôlego para que ela se
reorganize e supere o período de crise.
De acordo com o artigo 6º da Lei 11.101/2005, o prazo do stay period é de 180
dias, prorrogável por igual período em caráter excepcional, por uma única vez.
Essa possibilidade de prorrogação, que não estava prevista no texto original da
LRF, foi incluída pela Lei 14.112/2020 com base em precedentes do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), como o CC 112.799.
Controvérsias sobre a extensão e as consequências do stay period são comuns
nos julgamentos do STJ. Entre os pontos já analisados pelo tribunal, estão a
possibilidade de penhora de bens no período de blindagem e o alcance da
competência do juízo da recuperação.
Stay period possibilita negociação entre o devedor e seus credores
Segundo o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o benefício do stay period é um
dos pontos mais importantes do processo de recuperação judicial.
Essa pausa na perseguição individual dos créditos é fundamental para que se
abra um espaço de negociação entre o devedor e seus credores, evitando que,
diante da notícia do pedido de recuperação, se estabeleça uma verdadeira
corrida entre os credores, cada qual tentando receber o máximo possível de seu
crédito, com o consequente perecimento dos ativos operacionais da empresa.
CC 168.000
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
A medida acautelatória, afirmou, busca assegurar a elaboração e a aprovação do
plano de recuperação judicial pelos credores ou, ainda, a paridade nas hipóteses
de rejeição do plano e decretação da falência.
Competência do juízo da falência para suspender os atos expropriatórios
Nesse cenário, o juízo da recuperação é o competente para avaliar a suspensão
dos atos expropriatórios de bens da empresa em recuperação, inclusive nas
execuções fiscais, bem como para avaliar se estão presentes os requisitos para a
concessão de tutela de urgência com o objetivo de antecipar o início do stay
period – conforme decidiu a Segunda Seção no julgamento do CC 168.000.
O conflito foi suscitado por uma empresa em recuperação judicial em razão do
conflito entre decisões do juízo da recuperação e do juízo federal no qual
tramitavam execuções fiscais. Esse último juízo havia designado a realização de
leilões de três imóveis, mas eles foram suspensos por determinação do primeiro
juízo.
De acordo com o ministro Cueva, ainda que as execuções fiscais não se
suspendam com o processamento da recuperação judicial (artigo 6º, parágrafo
7º, da Lei 11.101/2005), a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que
os atos expropriatórios devem ser submetidos ao juízo da recuperação, em
respeito ao princípio da preservação da empresa.
No caso em julgamento, o colegiado entendeu que o juízo da recuperação não
extrapolou os limites de sua competência ao suspender os atos de constrição
determinados nas execuções fiscais em análise.
Prazo do stay period é contado em dias corridos
As turmas de direito privado do tribunal concluíram que o prazo de 180 dias
do stay period deve ser contado em dias corridos, mesmo após a vigência do
Código de Processo Civil (CPC) de 2015. Com esse entendimento, a Terceira
Turma deu provimento ao REsp 1.698.283, interposto por um banco credor,
para determinar que o prazo usufruído por uma empresa em recuperação fosse
de 180 dias corridos, reservada ao juízo competente a possibilidade de
prorrogação, se necessária.
Na origem, o juízo de direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Aparecida de
Goiânia (GO) deferiu o pedido de recuperação de uma empresa de fertilizantes
e ordenou a suspensão de todas as execuções contra ela por 180 dias "úteis". O
Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) manteve essa decisão, ao compreender
que o CPC/2015 modificou o cômputo dos prazos processuais para dias úteis.
Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso do banco no STJ, a
forma de contagem em dias úteis, estabelecida pelo CPC/2015, só se aplica a
prazos da Lei 11.101/2005 que tenham natureza processual e desde que a
norma se compatibilize com a lógica temporal adotada pelo legislador na LRF.
"O stay period reveste-se de natureza material, nada se referindo à prática de atos
processuais ou à atividade jurisdicional em si, devendo sua contagem dar-se,
pois, em dias corridos", afirmou o relator.
Bellizze destacou que os prazos diretamente relacionados ao stay period devem
se conformar com o modo de contagem contínuo, a fim de se alinhar à lógica
temporal do processo de recuperação imposta pelo legislador.
Limites da competência do juízo da recuperação
Para a Segunda Seção, após o fim do período de blindagem, a execução de
crédito trabalhista extraconcursal deve prosseguir normalmente perante o juízo
trabalhista, sendo vedado ao juízo da recuperação controlar os atos constritivos
daquele processo, pois a sua competência se limita ao sobrestamento de ato
constritivo que incida sobre bem de capital.
A decisão foi tomada na análise do CC 191.533, entre a 1ª Vara Cível de Campo
Verde e a Vara do Trabalho de Primavera do Leste, ambas em Mato Grosso.
Um trabalhador requereu a execução de sentença transitada em julgado, mas
teve seu pedido indeferido pela magistrada da Vara do Trabalho de Primavera
do Leste. A juíza entendeu que, como a empresa executada estava em
recuperação, a execução deveria ocorrer no juízo falimentar, pois essa
competência persistiria enquanto o processo de recuperação estivesse em
andamento, independentemente da natureza concursal ou extraconcursal do
crédito.
O trabalhador, então, requereu a habilitação de seu crédito na recuperação da
empresa, em curso na 1ª Vara Cível da Comarca de Campo Verde. No entanto,
o juiz negou a habilitação, argumentando que o crédito reconhecido na ação
trabalhista, posterior ao pedido de recuperação, tinha natureza extraconcursal.
Diante disso, o trabalhador suscitou o conflito de competência no STJ.
O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que, após a Lei
14.112/2020, não há mais espaço para a interpretação de que o juízo da
recuperação tem competência universal para decidir sobre qualquer medida
relacionada à execução de créditos que não fazem parte do processo de
recuperação (extraconcursais), ao argumento de que isso seria essencial para o
desenvolvimento das atividades da empresa, especialmente após o fim do stay
period.
Conforme exposto pelo ministro, o juízo da recuperação passou a ter
competência específica para suspender atos de constrição em execuções de
créditos extraconcursais que recaiam sobre bens de capital essenciais à
continuidade das atividades empresariais durante o stay period. Já no caso de
execuções fiscais, alertou, a competência desse juízo se limita a substituir a
constrição sobre bens de capital essenciais à atividade empresarial, até o
encerramento da recuperação.
Uma vez exaurido o período de blindagem – com a concessão da recuperação
judicial, e a novação das obrigações sujeitas ao plano de recuperação –, é
absolutamente necessário que o credor extraconcursal tenha seu crédito
devidamente equalizado no âmbito da execução individual, não sendo possível
que o juízo da recuperação continue, após tal interregno, a obstar a satisfação
do crédito, com suporte no princípio da preservação da empresa, o qual não é
absoluto.
CC 191.533
Ministro Marco Aurélio Bellizze
Término da blindagem não possibilita apreensão de bens essenciais à
empresa
A jurisprudência do tribunal também é pacífica no sentido de que o término do
stay period, por si só, não abre automaticamente a possibilidade de constrição
judicial sobre bens essenciais à manutenção da empresa, sob pena de se
subverter o objetivo do procedimento recuperacional.
No julgamento do REsp 2.061.093, a Quarta Turma negou o pedido de
credores fiduciários para apreender máquinas industriais de uma empresa em
recuperação.
Segundo o relator, ministro Raul Araújo, os colegiados de direito privado do
STJ entendem que, embora o credor fiduciário não se submeta aos efeitos da
recuperação, o juízo universal é competente para avaliar se o bem é
indispensável à atividade produtiva da recuperanda.
Nessas hipóteses, alertou, não se permite a venda ou a retirada do
estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade (artigo
49, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005).
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
CC 168000
REsp 1698283
CC 191533
REsp 1991103
REsp 2061093