14/06/2021

Nos EUA, bilionários adotam “buy, borrow, die” para evitar imposto

Por Marsílea Gombata — De São Paulo
Fonte: Valor Econômico
Bilionários nos EUA pagam muito menos impostos do que o trabalhador
americano. Para isso não precisam recorrer a estratégias tributárias
complexas, instrumentos financeiros complicados ou operações ilícitas.
Eles conseguem isso com um esquema simples de três etapas que os livra
de pagar imposto de renda, conhecida como buy, borrow, die (comprar,
tomar emprestado e morrer).
Na semana passada, o vazamento de informações da receita federal
americana mostrou que os 25 americanos mais ricos pagaram US$ 13,6
bilhões em imposto de renda federal entre 2014 e 2018. Nesse período,
eles tiveram aumento de patrimônio conjunto de US$ 401 bilhões.
De acordo com o site ProPublica, que teve acesso aos dados, isso significa
que esses bilionários pagaram em média 3,4% de imposto, quando a grande
maioria dos trabalhadores americanos pagou 14%. Os 3,4% estão muito
abaixo da alíquota máxima de imposto de renda nos EUA, que é de 37%.
Diferentemente do que pode parecer, esses bilionários não trapacearam ou
sonegaram. Na verdade, seguiram as regras à risca e se apoiaram no tripé
buy, borrow, die. O termo foi cunhado pelo economista Edward McCaffery,
professor de direito tributário na University of Southern California.
Na primeira etapa do tripé, compra-se o maior número de ativos possíveis,
que não gerem renda e, portanto, imposto a pagar. Quando se compra uma
ação e há valorização, isso não é registrado como renda. O mesmo ocorre
quando se comprar uma casa e, com o passar dos anos, ela é reformada e
agrega valor. A lei americana só considera renda quando há envolvimento
de dinheiro propriamente dito. Um salário muito alto está sujeito à taxação
de 37%. Se uma ação é vendida, cobra-se 20% em ganhos de capital.
Na segunda etapa, esses bilionários procuram ter o menor salário possível
para não pagar imposto sobre a renda e tomam empréstimos para manter
o estilo de vida luxuoso. “O problema é que ninguém pode comprar, comer,
se divertir com lucro não realizado. Então pegam empréstimos, o que
também não é considerado renda”, diz McCaffery.
Por exemplo, uma pessoa que ganha um salário de US$ 10 milhões, teria de
pagar 37% de imposto de renda sobre ele. Mas, em vez disso, pode pedir
um empréstimo do mesmo valor a um banco, que cobrará uma taxa de
juros de um dígito ou menos, caso o tomador do empréstimo dê como
colateral (garantia) parte de suas ações.
Em 2014, por exemplo, a Oracle revelou que seu CEO, Larry Ellison, tinha
uma linha de crédito assegurada por US$ 10 bilhões de suas ações, segundo
a ProPublica. No ano passado, a Tesla reportou que Elon Musk ofereceu
parte de suas ações que valiam cerca de US$ 57,7 bilhões como garantia
para empréstimos pessoais.
A terceira etapa é na morte. McCaffery diz que quando uma pessoa morre,
seus herdeiros podem vender seus ativos sem pagar impostos. Além disso,
os cálculos da receita federal americana recolocam os ganhos de capital na
base quando o doador morre, o que faz os herdeiros começarem do zero.
Para escapar do imposto sobre propriedade de 40%, muitos criam
fundações para doações filantrópicas, o que lhes oferece deduções fiscais
de caridade.
“Eu cunhei o termo ‘buy, borrow, die’ há 20 anos e, desde então, tento fazer
as pessoas entenderem que não é nada complicado o que esses super ricos
fazem”, diz. “As pessoas pensam que eles não pagam impostos porque
estão fazendo algo muito difícil, que ninguém pode entender. Mas não se
trata de uma conta na Suíça ou instrumentos financeiros estranhos. É algo
simples.”
McCaffery ressalta que as três etapas são totalmente legais. “Ninguém está
fazendo nada suspeito e nem vai para a cadeia”, diz. Ele afirma que os super
ricos podem jogar conforme as regras do jogo, pois elas os favorecem.
“A maioria das pessoas tem um emprego, toda semana ou a cada 15 dias
recebe pagamento e tem de pagar imposto de renda sobre isso. Mas se
você é um bilionário, não precisa ter renda alguma e pode viver do lucro
não realizado de seus bilhões”, diz Morris Pearl, presidente do The Patriotic
Millionaires, grupo de ricos nos EUA que defende que os ricos paguem mais
impostos. “Isso porque temos imposto sobre renda, mas não sobre
riqueza.”
Pearl argumenta que o problema é o sistema tributário e que seria preciso
um meio de taxar a riqueza que foi acumulada pelas pessoas em suas
diferentes formas.
McCaffery diz que poderiam ser feitas modificações no código tributário
para acabar com brechas nas três etapas. Cobrar imposto sobre
empréstimos, ter um imposto sobre riqueza ou mesmo um imposto
progressivo sobre o que se gasta - em vez de sobre o que se ganha - seria
mais efetivo, diz.