30/08/2022

Mais companhias buscam negociar dívida com credor

Por Adriana Mattos e Mônica Scaramuzzo — De São Paulo
Fonte: Valor Econômico
Empresas intensificam conversas com consultorias financeiras e escritórios
de advocacia especializados em reestruturação para renegociar suas dívidas
com credores, apurou o Valor. Com o aumento no custo de capital por
conta da alta elevada dos juros e oferta limitada de recursos financeiros no
mercado, cresce o volume de mediações para acordos focados na mudança
de perfil do endividamento e ampliação de prazos. Uma das negociações
envolve a Pif Paf, tradicional marca de alimentos, que chegou a analisar
abertura de capital em 2021, mas enfrenta hoje situação financeira difícil.
O Valor apurou que empresas dos setores de alimentos, têxtil, construção
civil, energia, além do varejo e do setor de serviços (como hotéis e
restaurantes), fazem parte do grupo que tem buscado mediação junto a
credores. As negociações ganharam mais força especialmente após o
segundo trimestre, com a pandemia sob controle, mas num cenário de
escalada dos juros, dólar ainda em patamares altos e aumento das despesas
financeiras.
“O cenário de crise gerado no início da pandemia mitigou o problema de
muitas empresas, com os credores dispostos a renegociar mais prazos. Mas
esse cenário vem mudando nos últimos meses, com o ambiente de juros
mais altos, inflação e possível recessão”, diz Luiz Galeazzi, da empresa de
reestruturação financeira Galeazzi Associados.
Movimento ganhou força no segundo trimestre, com juros em alta, dólar
caro e aumento nas despesas financeiras
De acordo com Eduardo Wanderley, sócio da área de reestruturação e
insolvência do BMA Advogados, muitos credores deram “uma segurada,
uma pedalada” de um a dois anos nas cobranças. “Isso porque, naquela
época, se você oferecesse títulos da dívida no mercado, nem haveria
comprador. E havia um cenário de bancos com maior liquidez, com as
medidas tomadas pelo Banco Central em 2020. A gente até achava que
explodiria a área de renegociação, mas não foi bem assim”, disse. “Há sinais
de que o mercado pode estar entrando agora nesse momento. O nosso
‘feeling’ é que isso voltaria mesmo entre 2022 e, especialmente, em 2023”.
“Na semana passada, tivemos uma consulta de uma empresa grande de
serviços para reestruturação. Quem não se refinanciou e adiou está
sentindo agora, e quem se refinanciou e precisa voltar ao mercado, tem de
acessar crédito muito caro, e isso vai criando um cenário mais difícil”, afirma
ele.
Na Álvarez & Marsal, as consultas de empresas que buscam reestruturação
também aumentaram, diz o diretor da consultoria, Eduardo Gallardo. “Com
a escalada dos juros, inflação e risco de recessão pela frente, a conta
começa a chegar e afeta empresas que não conseguem aumentar receita.”
A GeneSeas, empresa que atua com tilápias e frutos do mar, é controlada
pelo fundo de private equity (que compra participação em empresas) Aqua
Capital. Está em intensas negociações com credores para mudar o perfil de
suas dívidas, apurou o Valor. De janeiro a junho, a receita atingiu R$ 210
milhões - o endividamento no mesmo período é de cerca de R$ 220 milhões.
Nesse momento, o grupo está em mediação com seus credores - esse
processo expira no fim de setembro.
As empresas de energia Cemig e a Santo Antonio também estão em
conversas com bancos para mudar o perfil de suas dívidas, segundo fontes
a par do assunto. No caso das duas empresas, houve investimentos de
expansão nos últimos anos, mas a intrincada estrutura acionária das
companhias, que envolve diversos acionistas, torna renegociações mais
complexas.
Em relação à Pif Paf, advogados da empresa informaram à Justiça, em julho,
que o grupo abriu mediação com credores. No mês passado, a companhia,
com R$ 2,7 bilhões em vendas em 2020, entrou com pedido de tutela de
urgência para impedir bloqueio de R$ 30 milhões de suas contas pelo China
Construction Bank. A PifPaf diz que o acesso a esses recursos são
fundamentais e, “com a efetivação da tutela pretendida e a depender do
sucesso com o banco da China e eventuais outros credores, [a Pif Paf]
poderá, ao fim de 60 dias úteis, e se necessário, ingressar com pedido de
recuperação judicial”, afirmam os advogados da empresa no pedido.
As negociações com os credores estão sendo lideradas pela consultoria G5
Partners. Em nota, o grupo informa que fez aquisições por meio de
empréstimos, de forma estruturada, mas pelo cenário econômico atual, de
“alta súbita e acentuada dos juros”, contratou a G5 “para desenvolver um
plano estratégico com foco na redução da dívida e, assim, garantir a
manutenção do [seu] equilíbrio financeiro”. Ainda diz que “mantém um
relacionamento construtivo e transparente” com os bancos.
Sobre o tema da recuperação judicial, citado na tutela de urgência, ela
afirma que não há processo em andamento ou intenção de usar esse
recurso e afirmação contrária não condiz com a realidade.
Segundo Ronaldo Vasconcelos, sócio da VH Advogados, e professor do
Mackenzie, houve um crescimento desde março por acordos coletivos,
fechados por meio de mediações, sem participação da Justiça. “Vimos isso
estourando no setor imobiliário, e, em certa medida, no têxtil”, disse. “Na
construção, até parece contraditório, quando você vê obras em capitais
como São Paulo. É que esse pessoal levanta obra hoje com base em juros
passados, mais baixos, e depois de renegociar condições em 2020. Só que
agora, precisam arcar com esse endividamento, e sem conseguir linhas
novas em condições mais razoáveis.”
A equipe do Moraes Jr. Advogados viu um crescimento dessa demanda de
seis meses para cá, e negocia, hoje, mediações com credores de dois
frigoríficos, de Minas Gerais e Pernambuco, além de fabricantes de
alimentos. “Estamos tentando acordo, mas é bem difícil porque quando
você notifica credores para uma negociação, muitas vezes o credor já entra
com pedido para bloquear estoques ou algo nessa linha, o que só complica
as conversas”, diz o advogado Odair de Moraes Júnior.
Segundo ele, apesar de o setor de carnes ter uma espécie de “hedge
natural” pela venda ao exterior em dólar, parte dos frigoríficos fez
investimentos altos para atender uma demanda exportadora que não veio
no ritmo esperado.
Outro caso envolvendo o seu escritório refere-se à Pantera Alimentos,
fabricante de Itu (SP) e dona de cinco marcas. Ele conta que a empresa
vinha buscando novas linhas desde 2019, e no ano seguinte ainda
conseguiu fechar créditos com bancos e em fundos de direitos creditórios,
mas a alavancagem foi crescendo de forma acumulada. São R$ 97 milhões
em passivos. “Abrimos mediação, mas não houve acordo, tivemos que ir
para uma recuperação judicial”, disse ele.
“A nossa expectativa é que isso cresça mais no segundo semestre, porque
anos eleitorais têm um cenário econômico mais tenso, e ainda com Selic
em patamar alto até parte de 2023. Armou-se uma bola de neve em muitos
negócios que precisa ser desarmada”.
Esse movimento acontece em paralelo à necessidade de as empresas
colocarem certos ativos à venda na tentativa de reduzir essa alavancagem.
“Nesses casos, são negociações menos por questões de oportunidade e
mais por causa de cobranças”, disse Thiago Giantomassi, chefe da área de
bancária e financeira da Demarest.
Esse movimento por assessoria em reestruturações, na visão da Demarest,
supera os números de 2020 e 2021, mas está menor que o verificado na
recessão de 2015. “A diferença para 2020 é que as demandas vinham mais
no campo teórico, e hoje já chegam com aspectos de fundo muito mais
prático, e com uma crença de que não vão conseguir sair da situação sem
mediação”, diz o sócio da Demarest, Guilherme Bechara.
De acordo com Diogo Berger, responsável por reestruturação de dívidas do
Santander, o cenário atual é parecido com o período de 2014 e 2016, em
termos de aumento da taxas de juros. Àquele período, a inadimplência era
mais generalizada. No entanto, ele vê agora um cenário benigno para as
empresas, sobretudo as de grande porte, uma vez que as empresas veem
de um reforço de caixa no mercado de capitais. “A crise passada foi muito
severa, com bancos criando estruturas internas para acomodar essas
companhias.”
Segundo Berger, os times dos bancos cresceram. “Desde então, o sistema
financeiro tem como trabalhar de forma preventiva os casos mais
complicados e conseguem organizar melhor aquele bangue-bangue [entre
os credores], que querem sair na frente”.
Procurada, a GeneSeas informou em nota que “enfrenta uma situação
desafiadora, comum a todo o mercado de proteína animal, que se ressente
de um cenário macroeconômico complexo, impactado pelo grande
aumento nas taxas de juros, alta nos preços da energia e das commodities
e aumento da probabilidade de uma recessão global.”
Ainda segundo a nota da empresa, a “GeneSeas tem trabalhado em um
plano de renegociação amigável com toda a sua cadeia produtiva, por meio
de um processo focado em redução de custos e na implementação de
medidas gerenciais que promovem a eficiência operacional e ajudam a
reforçar o fluxo de caixa. O objetivo da empresa é manter a capacidade de
funcionamento, ofertando produtos de qualidade aos clientes e buscando
preservar o maior número de postos de trabalho possível”. A Aqua Capital
não comenta.
Cemig e Santo Antonio também preferiram não comentar o assunto.