Judiciário começa a receber ações contra ITCMD em estados com alíquota fixa
Por: José Higídio
Por: Consultor Jurídico
Uma nova tese sobre o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação
(ITCMD) vem sendo levada ao Judiciário. Tributaristas argumentam que todas
as cobranças feitas pelos estados sem alíquota progressiva, prevista na emenda
constitucional da reforma tributária (EC 132/2023), são indevidas. Juízes de
São Paulo e Minas Gerais já analisaram ações do tipo, e a revista eletrônica
Consultor Jurídico apurou que outras com a mesma tese estão sendo
preparadas em outros estados.
Embora varas de primeira instância do Judiciário paulista e mineiro tenham
rejeitado a tese, ela ainda pode chegar a outras comarcas e aos outros seis
estados que não se adaptaram à regra da reforma.
O ITCMD, aplicado sobre heranças e doações, é de competência dos estados e
do Distrito Federal. A EC da reforma tributária, promulgada em dezembro de
2023, determinou que esse imposto deve ter alíquota progressiva “em razão do
valor do quinhão, do legado ou da doação”.
Isso significa que os estados devem criar diferentes faixas de cobrança: a
alíquota deve aumentar de forma gradativa conforme o valor ao qual ela será
aplicada, com um teto de 8% (estipulado em uma resolução do Senado). Para
isso, é necessária a aprovação de uma lei estadual em cada um deles.
Um ano e quatro meses após a promulgação da EC 132/2023, oito estados
ainda não aprovaram leis para estabelecer o ITCMD progressivo: São Paulo,
Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Roraima, Bahia e
Piauí. Nestes dois últimos, a alíquota atual é progressiva para heranças, mas fixa
para doações. Nos demais, é fixa para qualquer situação.
Com isso, tributaristas começam a levantar a tese de que tais estados não podem
cobrar o ITCMD com alíquota fixa, já que a reforma tributária passou a exigir
alíquota progressiva. Em outras palavras, como a alíquota atual desses oito
estados não está de acordo com a Constituição, todas as cobranças feitas por
eles desde dezembro de 2023 seriam indevidas.
Constituição x leis estaduais
Leonardo Aguirra de Andrade, sócio do Andrade Maia Advogados, avalia
que a EC 132/2023 “não é suficiente para dar fundamento para tal cobrança”
nos oito estados que não se adequaram a ela: “É necessária uma lei estadual
válida e eficaz para tanto.” A banca avalia mover ações com essa tese a pedido
de alguns clientes.
Segundo ele, se a Constituição determina que o ITCMD seja progressivo e a lei
estadual não estabelece uma alíquota progressiva, há “uma falta de base legal
para cobrança do tributo”, o que deve ser enfrentado pelo Judiciário.
“Progressividade é coisa séria. Não é apenas um método de calculo de um
tributo, mas reflexo de uma escolha de como a sociedade quer superar suas
desigualdades”, diz o tributarista Paulo Roberto Andrade, do escritório
Madrona Advogados, responsável pelas ações ajuizadas em SP e MG. “O
contribuinte não é obrigado a pagar, por alíquotas proporcionais, um imposto
que a Constituição manda ser pago por alíquotas progressivas.”
Na visão de Everton Lazaro da Silva, advogado do contencioso tributário do
Rayes & Fagundes, a EC 132/2023 obrigou os estados a “internalizarem via
legislação própria a progressividade do ITCMD, sob risco de se verem
impossibilitados de tal cobrança”.
Para ele, “é factível” a cobrança do tributo até 2024, já que a emenda
constitucional foi promulgada nos últimos dias de 2023. Mas em 2025, “a
inércia dos estados que não alteraram suas legislações internas não pode ser
acobertada pelo manto de uma suposta ‘convalidação’, restando, portanto,
inegavelmente indevida a cobrança do ITCMD em alíquota única”.
“É necessário que os estados ajustem suas legislações o quanto antes, sob pena
de os contribuintes questionarem no Judiciário o pagamento do ITCMD sob
uma alíquota fixa”, afirma Juliana Lemos, sócia da área tributária do Trench
Rossi Watanabe.
Ela destaca que a EC 132/2023 “não confere uma faculdade ao estado” e
acredita que “há elementos para defender a impossibilidade de cobrança
legítima do ITCMD à alíquota fixa por ausência de fundamento de validade da
norma instituidora respectiva e clara incompatibilidade com a Constituição”.
Chegando às cortes
As primeiras tentativas de emplacar a tese foram malsucedidas. Em setembro
do último ano, a 11ª Vara de Fazenda Pública do Foro Central da capital paulista
negou um pedido para que os autores — representados pelo Madrona
Advogados — não precisassem pagar o ITCMD na alíquota fixa.
Na sentença, o juiz Henrique Geraldo Campos Júnior considerou que “o
processo legislativo não extrapolou tempo razoável da elaboração da lei”
Para Branco, a inovação trazida pela reforma tributária “é quanto ao critério”.
A Constituição já previa que, “sempre que possível”, quaisquer impostos devem
ser “graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Ou seja, a
EC 132/2023 estipulou uma “progressividade específica”, com base no “valor
do quinhão, do legado ou da doação” — e não em “sinais presuntivos de
riqueza do herdeiro, legatário ou donatário”.
Assim, a regra “não significa veto automático à alíquota proporcional fixa”. O
advogado recorda que a própria Constituição prevê a”legalidade como forma
legítima por excelência do exercício da competência outorgada ao Estado”.
Já Lucas Babo, advogado associado da área tributária do Cescon Barrieu,
afirma que a intenção da reforma era “instituir a progressividade do tributo de
forma a aumentá-lo, e não extingui-lo”.
Por isso, ele se opõe a “afastar a exigência do tributo em um período de clara
transição, sobretudo considerando que as normas legais permanecem em vigor
e muitos estados já iniciaram o processo legislativo para alteração de suas leis”.
Na sua visão, a tese “não deve prosperar quando submetida à apreciação dos
tribunais”.
Além disso, Babo entende que alguns estados, como SP e MG, já aplicam a
progressividade na prática, pois isentam doações e sucessões de valores
menores — o ITCMD só é cobrado quando uma faixa inicial é ultrapassada.
Processo 1036518-70.2024.8.26.0053
Processo 5109884-27.2024.8.13.0024
Processo 1000139-49.2025.8.13.0024