28/02/2025

Instituições financeiras autorizadas pelo BC operam para bets ilegais

Por: Tácio LorranManuel Marçal
Fonte: Metrópoles
Instituições financeiras e de pagamento supervisionadas pelo Banco Central
(BC) têm operado transações para mais de uma centena de bets ilegais.
Levantamento feito pela coluna ao longo das últimas duas semanas identificou
oito instituições financeiras atuando como intermediárias de pagamentos para
empresas de apostas que operam sem o aval do Ministério da Fazenda.
A lista de instituições inclui nomes conhecidos do mercado, como o FitBank –
que possui o JP Morgan em sua base de acionistas –, a Voluti e a Microcash.
Confira:
Não se trata de casos isolados. A coluna levantou 136 sites de bets ilegais que
usam essas plataformas para receberem seus pagamentos. Para isso, a
reportagem acessou os endereços na internet, cadastrou-se nas plataformas e
simulou transferências via Pix.
Os sites têm indícios grotescos de ilegalidade: prometem bônus de R$ 100 mil,
aceitam cadastros com CPFs, nomes e outros dados falsos (como CPF
000.000.000-00) e até mesmo recomendam uso de VPN para burlar eventuais
bloqueios.
A Lei das Bets, de 2023, proíbe que instituidores de arranjos de pagamento,
bem como as instituições financeiras e de pagamento, permitam “transações
que tenham por finalidade a realização de apostas de quota fixa com pessoas
jurídicas que não tenham recebido a autorização para exploração de apostas”
pelo Ministério da Fazenda.
Além de irregular, a atuação dessas instituições tem favorecido a manutenção e
a proliferação das bets ilegais na internet.
Procurada, a Fazenda informou ter notificado recentemente 22 instituições
financeiras e de pagamento que foram identificadas operando com empresas de
apostas não autorizadas. A pasta comandada pelo ministro Fernando Haddad
acrescentou ainda que trabalha em uma portaria sobre o tema a ser publicada
nas próximas semanas.
O Banco Central informou que atua no sentido de construir ferramentas de
fiscalização mais eficazes para impedir que as empresas ilegais usem o Sistema
Financeiro Nacional.
Como operam bets ilegais e instituições de pagamentos
No início do mês, a influenciadora Dayanne Bezerra, irmã da advogada e
também influenciadora Deolane Bezerra, divulgou em seu perfil no Instagram,
onde tem cerca de 2 milhões de seguidores, propaganda de bet ilegal com
promessas de ganhos fáceis.
Dayanne fez um “ao vivão”: aposta R$ 8 no “Jogo do Tigrinho” por meio da
BBR Bet e ganha R$ 240 em apenas 1 minuto. Um lucro surpreendente de
3.000%. “Tá ótimo! Sem olho grande”, afirmou ela no Instagram.
Ao acessar o link disponibilizado pela influenciadora, é possível encontrar na
home do site da BBR Bet informações que atestam a ilegalidade da plataforma.
Um dos pontos que corroboram o fato é que o domínio na internet termina em
“.com” e não em “bet.br”, como determinado pelo Ministério da Fazenda.
Além disso, a sede da empresa se encontra na Costa Rica. A Secretaria de
Prêmios e Apostas da pasta, todavia, define que a sede precisa ser em solo
nacional.
A coluna, então, simulou o depósito de R$ 20 para a BBR Bet. O Pix tinha
como destinatário a Brapay, que é a empresa que opera a bet ilegal. Já a
instituição financeira intermediária da transação era a Voluti, que se apresenta,
segundo o site da própria companhia, como “a melhor infraestrutura de
pagamentos instantâneos para escalar seu negócio”.
A Brapay possui licença ativa com o município de Bodó, no interior do Rio
Grande do Norte. A cidade credenciou 38 casas de apostas on-line a partir de
um edital lançado em outubro. As empresas pagaram outorga de R$ 5 mil para
operar. No entanto, apenas a União, os Estados e o Distrito Federal podem
oferecer apostas de quota fixa. O Ministério da Fazenda já notificou a prefeitura
de Bodó.
Procurada, a Voluti negou que opera junto a bets ilegais e acrescentou que
encerrou contratos com todas as plataformas de apostas, inclusive aquelas com
licenças municipais ou estaduais, devido à ausência de informações concretas
sobre os controles de geolocalização.
Na quarta-feira (26/2) a coluna voltou a simular um Pix para a plataforma
divulgada pela irmã da Deolane Bezerra. Dessa vez, a instituição intermediária
foi a Creditag, cooperativa de crédito que funciona desde 2003 e é sediada em
Mineiros (GO). Procurada, não respondeu.
Bets descaradamente falsas
Assim como a BBR Bet, os sites das 138 bets ilegais levantados pela coluna
trazem vários indícios de ilegalidade. É comum que as plataformas aceitem
cadastros fictícios, ofereçam bônus estratosféricos e usem falsos fatores de
autenticação.
Naturalmente, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tem tido
dificuldades de derrubá-los, uma vez que os criminosos, assim que têm as
plataformas retiradas do ar, logo criam outros links de apostas com as mesmas
estrutura e estética.
Dessa maneira, o contrato das bets ilegais com as instituições financeiras
permite que elas sigam operando na ilegalidade: assim, basta criar novo site,
uma vez que a forma de pagamento se mantém inalterada.
Ministério da Fazenda prepara portaria sobre instituições financeiras e
bets ilegais
Em nota, o Ministério da Fazenda informou ter notificado 22 instituições
financeiras e de pagamento que foram identificadas operando com empresas de
bets não autorizadas. A pasta acrescentou que trabalha em uma portaria para
detalhamento desse dever legal, que deve ser publicada nas próximas semanas.
“A SPA [Secretaria de Prêmios e Apostas] mantém cooperação constante com
o Banco Central no sentido de construir ferramentas de fiscalização mais
eficazes para impedir que as empresas ilegais usem o sistema financeiro
nacional”, acrescentou.
Por fim, a Fazenda explicou que as informações sobre as instituições
identificadas estão sendo compartilhadas com o Banco Central, para avaliação
sobre atuação em seu âmbito legal de competências.
Por sua vez, o Banco Central afirmou que a Lei das Bets ( nº 14.790/2023) não
lhe atribui competência específica, inclusive nos aspectos em que a legislação
trata de instituições autorizadas a funcionar pela autarquia, mas acrescentou
que, no âmbito de suas atividades, “possui dever legal de comunicar aos órgãos
públicos competentes irregularidades e ilícitos administrativos de que tenha
conhecimento ou indícios de sua prática”.
“O Banco Central não monitora as transações dos clientes nem faz inteligência
de crimes financeiros. A atuação do Banco Central é na esfera administrativa, o
que não impede o órgão de atuar em coordenação com o Ministério Público,
Polícias e outros órgãos supervisores. O Banco Central também aprimora sua
regulação sempre que necessário”, informou, em nota.
“O Banco Central mantém cooperação constante com o Ministério da Fazenda
no sentido de construir ferramentas de fiscalização mais eficazes para impedir
que as empresas ilegais usem o Sistema Financeiro Nacional”, concluiu.
O que dizem as instituições financeiras citadas
A coluna procurou todas as oito instituições financeiras citadas.
O FitBank informou que é uma Instituição de Pagamento regulada e fiscalizada
pelo Banco Central há mais de 9 anos, que aplica rigorosos padrões de
compliance a todos os seus mais de 200 clientes, independentemente do setor
que atuem. “Além disso, o FitBank não apenas apoia, mas também colabora
com todas as ações do Governo e do Banco Central que visam melhorar a
transparência e facilitar o monitoramento de atividades ilegais.”
“Especificamente sobre o setor de apostas, de forma preventiva, as equipes de
monitoramento de risco do FitBank realizam um trabalho antifraudes, com
busca ativa diária e bloqueio de sites de apostas irregulares, sempre seguindo as
normas e regras em vigor. Esta atividade é ostensiva e dinâmica e inclui a lista
negativa publicada pelo Ministério da Fazenda, além de listas proprietárias
contendo em conjunto mais de 4.000 links não autorizados. O compliance do
FitBank exige ainda que seus clientes assinem uma declaração garantindo que
não atuam com sites não legalizados, e informa o Coaf (Conselho de Controle
de Atividades Financeiras) sobre qualquer operação suspeita”, acrescentou.
O FitBank afirmou ainda não ter como clientes sites de bets, sendo apenas um
prestador de serviço para PSPs (Payment Service Providers) e gateways de
pagamento.
A Voluti pontuou que nunca operou junto a bets ilegais. “Sempre exigimos que
as empresas possuíssem licenças municipais, estaduais ou federais válidas.
Como não recebemos informações específicas sobre quais empresas estão
sendo mencionadas, não podemos confirmar individualmente quais licenças
possuem. Além disso, encerramos contratos com todas as plataformas de
apostas, inclusive aquelas com licenças municipais ou estaduais, devido à
ausência de informações concretas sobre os controles de geolocalizac¸ão (ou
seja, a garantia de que operavam apenas dentro da jurisdic¸ão autorizada).”
A Voluti disse também que atende gateways de pagamento, que, por sua vez,
possuem diversos clientes. “Pode ocorrer que algum cliente desses gateways
processe pagamentos para bets sem nosso conhecimento prévio. No entanto,
quando nossa equipe identifica essa situação, o acesso é imediatamente
bloqueado, reforçando nosso compromisso com o cumprimento das normas
regulatórias.”
Por fim, a Voluti afirmou que tem adotado medidas rigorosas para garantir
conformidade regulatória. “Já bloqueamos transações para apostas e seguimos
aprimorando nossos sistemas para mitigar riscos. Além disso, monitoramos
continuamente os clientes da plataforma para evitar qualquer uso indevido,
garantindo total alinhamento com as normas dos órgãos reguladores.”
A Microcash também negou que opera para bets ilegais. “A Microcash é uma
instituição financeira autorizada pelo Banco Central e participante do sistema
Pix, oferecendo contas de pagamento para clientes utilizarem o Pix. Nos
últimos 12 anos, atendemos mais de 400 mil empresas e 15 milhões de usuários
em setores como tecnologia, transporte, entretenimento, instituições
financeiras, startups e empresas de meios de pagamento.”
“No passado, identificamos transações para bets não reguladas intermediadas
por empresas de pagamento que utilizam nossos serviços. Este tipo de uso viola
nossos termos de serviço e gerou bloqueio e desativação de contas, multas e
denúncias às autoridades competentes”, pontuou.
A Microcash ressaltou que leva muito a sério a prevenção e o combate a
atividades ilícitas e que está totalmente comprometida com a conformidade
legal e a segurança do sistema financeiro. “A mesma dificuldade que as
autoridades encontram para fiscalizar este segmento e combater tais transações
são enfrentadas também pelas instituições financeiras, incluindo dificuldades
em identificar, filtrar, impedir e controlar o comportamento e atividade fim de
cada correntista”, informou.
“Empregamos as melhores práticas de mercado e temos um time de compliance
atuante, em sintonia com as recomendações das autoridades monetárias
nacionais, de forma que investigamos rigorosamente todas as denúncias”,
prosseguiu.
“Caso identifiquemos clientes que utilizam nossos serviços para transações não
permitidas pelos nossos termos de serviço, incluindo o processamento de
pagamentos para bets em situação irregular, todos eles são notificados e estão
sujeitos a penalidades que incluem o bloqueio e a desativação de contas, multas
e denúncias às autoridades competentes”, concluiu a Microcash.
A empresa ressaltou que mantém um canal de denúncias ativo e transparente,
disponível no site e pelo e-mail compliance@microcashif.com.br, para
apuração de quaisquer fatos e irregularidades.
Já a Treeal afirmou que é uma instituição regulamentada pelo Banco Central.
Pontuou ainda que observa as normas regulatórias, tendo somente como
clientes aqueles que possuem licenças para atuação.
Sants Bank, Ecomovi, Creditag e Silium não responderam.