Hotel consegue na Justiça manter benefício fiscal do Perse
Por: Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
Um hotel em São Miguel dos Milagres (AL) conseguiu liminar para
continuar usufruindo do benefício tributário do Programa Emergencial de
Retomada do Setor de Eventos (Perse). A medida vale até que a Receita
Federal prove que foram atingidos os R$ 15 bilhões de renúncia fiscal - valor
utilizado como marco para o fim da alíquota zero de Imposto de Renda
(IRPJ), CSLL, PIS e Cofins.
Para o órgão, o limite de R$ 15 bilhões teria sido atingido no mês de março e o
benefício fiscal não valeria mais a partir de 1º de abril. Inconformadas, dezenas
de empresas e entidades patronais recorreram ao Judiciário.
No pedido, agora analisado pela 2ª Vara Federal de Alagoas, o hotel pediu a
continuidade da fruição integral da alíquota zero dos tributos, conforme
previsto na Lei nº 14.148, de 2021, que criou o programa para os setores de
eventos e turismo - destinado a compensar os efeitos decorrentes das medidas
de combate à pandemia da covid-19.
O benefício fiscal estava previsto pela norma de 2021 para um prazo de 60
meses. Ou seja, valeria até março de 2027. Porém, no ano passado, foi publicada
a Lei nº 14.859, de 2024, que estabeleceu o teto de R$ 15 bilhões e determinou
que a Receita Federal publicasse relatórios bimestrais de acompanhamento.
No pedido, o hotel alegou que a norma impôs uma limitação expressa e,
“embora as condições legais tivessem sido alteradas, o texto ainda mantinha os
pilares do Perse, e não deixava claro exatamente quando e como o benefício
seria encerrado”. Para o contribuinte, “gerou uma expectativa legítima de
continuidade temporária dos benefícios, ao menos até a edição de norma
específica que trouxesse essa definição”.
Em 21 de março, segundo o hotel, todos os contribuintes foram surpreendidos
com o Ato Declaratório Executivo da Receita Federal n° 2/2025, que previu a
extinção do benefício fiscal a partir do mês de abril pelo “suposto atingimento”
do teto máximo de renúncia fiscal.
Na decisão, o juiz André Carvalho Monteiro afirma que a edição do Ato
Declaratório Executivo RFB nº 2 representou a materialização da cláusula legal
de extinção do benefício, sob a justificativa de que o limite fiscal já teria sido
alcançado. Porém, para ele, a ausência de demonstração do efetivo atingimento
do limite é um fundamento relevante que justifica a concessão da liminar.
Segundo o magistrado, a lei estabelece que a chegada aos R$ 15 bilhões será
demonstrada pela Receita Federal em relatórios bimestrais para
acompanhamento pelos contribuintes, e a extinção do programa ocorrerá após
a demonstração pelo Poder Executivo, em audiência pública do Congresso
Nacional, que o custo fiscal acumulado atingiu o limite de R$ 15 bilhões. “É
público que não houve, até a referida data, a comprovação do efetivo
atingimento do limite estabelecido na lei”, afirma ele.
Até agora, não existe manifestação pública que prove que o teto foi alcançado”
— João Amadeus
Ainda de acordo com o juiz, a Receita decidiu, com base em mera estimativa e
projeções de gráfico de evolução, que esse limite seria “provavelmente”
atingido em março. “A autoridade fiscal editou ato baseado em mera estimativa,
e não na efetiva constatação do atingimento do limite”, diz.
E acrescenta: “O marco temporal para a extinção dos benefícios do programa
é a data da demonstração ‘que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado’,
e não a expectativa, ‘projeção’, ‘estimativa’ ou qualquer forma de especulação
sobre quando o custo fiscal ‘provavelmente’ atingirá o limite.”
A liminar foi concedida em parte, apenas para determinar que a Receita Federal
deixe de promover o lançamento dos tributos cuja alíquota foi zerada pela Lei
nº 14.148 até o mês de publicação do relatório bimestral em que seja
demonstrado o efetivo atingimento do limite global acumulado de R$ 15
bilhões. Fica garantido o direito à cobrança dos tributos sem os benefícios a
partir do mês subsequente à publicação do referido relatório (processo nº
0803809-68.2025.4.05.8000).
“Foi um fôlego que conseguimos para a empresa”, afirma o advogado Felipe
Crisanto, do escritório Mendonça, Crisanto e Castro Advogados, acrescentando
que o contribuinte usava integralmente o benefício fiscal e se programou com
base na lei original do Perse.
Para a advogada Isabela Sena, que também atuou no caso, em tempos de
incerteza fiscal, a decisão liminar representa um marco de segurança jurídica.
“Os direitos dos contribuintes não podem ser revogados por projeções, só por
fatos comprovados.”
Muitas empresas, diz Crisanto, buscaram empréstimos no Programa Nacional
de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e “essa
é uma das que ainda está pagando prestação de alguns empréstimos”. “Foi uma
surpresa a definição de que o Perse só seria concedido até atingir R$ 15 bilhões.
O contribuinte, com o teto, ficou sem ter como se programar porque não sabia,
até então, quando o montante seria atingido.”
Apesar da decisão nesse caso, a maioria dos pedidos similares feitas pelos
contribuintes vem sendo negada, segundo João Amadeus, sócio-gestor da área
tributária do escritório Martorelli Advogados. “Esse argumento [da falta de
prova do valor atingido] é bom e deve ser explorado. Mas ele não resolve a
questão, porque não é o ponto principal do mérito. Mas no principal [direito a
continuar com o benefício fiscal], ninguém está conseguindo ganhar”, afirma.
O advogado aponta que o entendimento do juiz da 2ª Vara Federal de Alagoas
é inédito, apesar de ser um argumento que já foi apresentado em outros pedidos.
“Há um problema nesse teto, que foi colocado depois, sem estar nas condições
iniciais do benefício”, diz Amadeus, reforçando que, até agora, não existe
manifestação pública que prove que o valor estabelecido foi alcançado.