Governo faz 'gol de mão' ao taxar dividendos, dizem especialistas
Por: Thaís Barcellos , Geralda Doca e Glauce Cavalcanti
Fonte: O Globo
O governo prevê tributar em 7,5% na fonte os rendimentos mensais com lucros
e dividendos superiores a R$ 50 mil. É o que prevê minuta do projeto de
reforma do Imposto de Renda Pessoa Física a que o GLOBO teve acesso. A
proposta faz parte da tributação de altas rendas e integra o conjunto de medidas
arrecadatórias para compensar a isenção do IR até R$ 5 mil.
Pela minuta, “os lucros e dividendos em montante superior a R$ 50 mil pagos,
creditados ou entregues a uma mesma pessoa física residente no Brasil, ficam
sujeitos à retenção na fonte do imposto sobre a renda das pessoas físicas
mínimo mensal-IRPFM à alíquota de 7,5%”.
A ideia é que haja a retenção mensal de lucros e dividendos, mas que o imposto
efetivo a ser pago seja verificado na declaração anual do IR.
Dividendos ao exterior
Pelas propostas divulgadas pelo governo, o contribuinte que ganhar mais de R$
600 mil anuais, considerando todos os seus rendimentos, como salário, aluguéis
e dividendos, estará sujeito a uma taxação mínima, que vai variar de um pouco
mais de zero a 10%. A alíquota mais alta vai valer apenas para rendimentos a
partir de R$ 1,2 milhão.
A minuta prevê que a retenção relativa aos lucros e dividendos poderá ser
compensada no ajuste anual do IR.
“É importante esclarecer que essa tributação mensal é uma mera antecipação,
podendo o beneficiário do rendimento ter a restituição do imposto na apuração
anual da tributação de altas rendas”, diz o documento.
Atualmente, lucros e dividendos são isentos do imposto sobre a renda. Na
divulgação realizada pelo governo para explicar a reforma no IRPF, o
secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, disse que não
haveria nenhuma medida específica para dividendos, que somente seriam
considerados para fins de verificação do imposto mínimo para os mais ricos.
A minuta também prevê a tributação de 7,5% dos dividendos remetidos ao
exterior por pessoas jurídicas, com receita prevista de R$ 6,18 bilhões em 2025,
R$ 6,73 bilhões em 2026 e R$ 6,81 bilhões em 2027.
O governo também vai enviar junto com a reforma mais ampla do Imposto de
Renda a atualização da isenção de até dois salários mínimos para o ano que vem.
Segundo a proposta de Orçamento de 2025, o salário mínimo será de R$ 1.509.
Nesse caso, a minuta prevê que rendimentos de até R$ 3.018 não pagarão IR,
considerando um desconto simplificado de R$ 603,60, ou 25% do valor da
primeira faixa da tabela progressiva mensal (R$ 2.414,40).
Proposta de ajuste’
Guilherme Klein, professor da Universidade de Leeds, no Reino Unido, e
pesquisador do Made/USP, avalia que a taxação na fonte de dividendos com
alíquota de 7,5% de IR é uma forma de “suavizar” a tributação mínima prevista
para quem tem rendimentos superiores a R$ 50 mil mensais.
A cobrança de IR sobre dividendos para pessoa física deveria vir acompanhada
de um ajuste na tributação da pessoa jurídica, avaliam os tributaristas Hermano
Barbosa, sócio do BMA Advogados e Eduardo Lustosa, sócio do LLH
Advogados. É que, quando a isenção foi adotada, explicam, foi acompanhada
de uma cobrança adicional de 10% no IR pago pelas empresas.
— É um “gol de mão” taxar dividendos sem mexer na tributação corporativa
— diz Barbosa, acrescentando que a carga corporativa é alta, de 34% em média.
Guilherme Klein analisa a medida anunciada pelo governo sob dois prismas:
— A forma como está sendo proposta, de juntar todo o rendimento da pessoa
física e taxar, vai no espírito do que se pensa globalmente em taxação daqui para
frente e como foi discutido no G20. Pelo percentual proposto, o Brasil é um
país que taxa pouco lucros e dividendos. Se adotar uma taxação de 10% a 15%
dos rendimentos na pessoa física, estará num padrão parecido com o praticado
pelos países da OCDE — explica.
Na prática, diz Klein, as firmas brasileiras acabam pagando aproximadamente
20% de IR, dependendo do setor, por haver uma série de subsídios e
desonerações aplicáveis.
Lustosa, do LLH, frisa que o movimento de taxar mais os mais ricos vai ao
encontro das propostas centrais do atual governo. Ele afirma que, a exemplo
do que é feito no exterior, o Brasil também deve tributar rendimentos e
dividendos, mas defende que as mudanças sejam debatidas no âmbito da
Reforma Tributária.
Ele pondera que, ao mirar na tributação da alta renda, é preciso verificar o que
está previsto para o topo da pirâmide do funcionalismo público.
— Funcionários públicos de carreira mais alta, como juízes, têm um rendimento
muito grande. Uma fração é salário. Mas grande parte desse rendimento é
composta de verbas indenizatórias que não constituem fato gerador de IR. Ou
seja, é uma remuneração isenta — explica.
‘Não há jabuticaba'
Barbosa, do BMA, diz que a medida pode estar ligada ao descasamento
orçamentário entre o início da vigência da nova faixa de isenção de IR e da
tributação daqueles com maior capacidade contributiva, como instrumento de
compensação.
— Se a nova faixa de isenção for aprovada em 2025, começará a valer em 2026.
No caso da tributação de rendimentos hoje isentos, esse encontro de contas do
contribuinte só virá no início de 2027. Então, essa compensação não seria
imediata.
As opiniões também se dividem em relação à tributação de dividendos
remetidos ao exterior por pessoas jurídicas, medida que irá impactar as remessas
das multinacionais com operações no país.
Barbosa destaca que , para uma companhia estrangeira que está botando
recursos aqui, pagando impostos, a medida terá um peso.
Lustosa corrobora a interpretação de que, hoje, o dividendo isento atrai
investimento ao país, daí a importância de haver um estudo detalhado sobre
impactos das mudanças, defende ele.
Klein, por sua vez, entende que “não há qualquer jabuticaba” nesse sentido:
— É claro que a reação do mercado e o dólar refletem o interesse de pessoas,
inclusive estrangeiras, que têm ações no Brasil. Mas o que está sendo proposto
no Brasil não é dissonante com o que já é praticado lá fora — diz o professor.