Fundos abrem arbitragem contra BNY
Por Ana Paula Ragazzi — De São Paulo
Fonte: Valor Econômico
Os fundos de pensão Postalis e Serpros iniciaram em outubro de 2019 uma
arbitragem contra o BNY Mellon em busca de indenização pelas perdas que
tiveram com o investimento na ATG, que pretendia lançar uma nova bolsa
de valores no Brasil. A arbitragem estava em segredo de Justiça até o fim
de março. O sigilo caiu depois que o BNY Mellon tentou obter na Justiça
uma liminar para suspender a arbitragem. A liminar não foi concedida e o
sigilo foi retirado pelo juiz Luis Felipe Ferrari Bedendi, da 1ª Vara
Empresarial e de Conflitos de Arbitragem do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo.
No projeto da ‘nova bolsa’, da ATG, o Postalis investiu R$ 223,4 milhões
entre 2010 e 2011 e a Serpros, R$ 70 milhões em 2013. Na arbitragem, eles
pedem o ressarcimento desses valores e uma indenização pelos prejuízos
com o investimento. Os aportes foram feitos no fundo de investimento em
participações (FIP) ETB, lançado pela ATG, que tinha com sócio principal
Arthur Machado; e pelo BNY Mellon, que, nessa época, era liderado no
Brasil por José Carlos Lopes Xavier Oliveira, conhecido como Zeca Oliveira.
O projeto da nova bolsa acabou não saindo papel. Virou alvo de
investigação na Operação Rizoma, do Ministério Público Federal, derivada
de investigações da Lava-Jato no Rio de Janeiro, que apuravam esquemas
de lavagem de dinheiro resultantes de propina paga aos membros da alta
cúpula do Estado. Conforme os procuradores da Rizoma, deflagrada em
2018, ETB e a ATG eram utilizados para simular contratos sem lastro
econômico, que se destinavam, meramente, a viabilizar o pagamento de
vantagens ilícitas a políticos, lobistas, empresários etc.
Após a operação, foi criada a “Força Tarefa Postalis”, que investigou fraudes
nesse fundo e, em 2020, apresentou denúncias contra Oliveira e Machado,
além de ex-dirigentes do Postalis e da ATG. A denúncia do MPF foi
acompanhada de relatório de investigação da Comissão de Valores
Mobiliários (CVM).
A tese apresentada foi de tráfico de influência para facilitar a aprovação,
pelo Postalis, do investimento no ETB, cujo único ativo era a nova bolsa, que
foi superavaliada na carteira. Os processos, que são públicos, falam em
suborno para elaboração de laudos de avaliação e desvio de recursos por
meio de operações societárias e transações fraudulentas, no âmbito do ETB
e da ATG.
Os fundos são representados pelo Vieira Rezende Advogados. Na
argumentação ao tribunal arbitral, eles apresentam detalhes dessas
investigações do MPF e da CVM, com indícios de que, desde o princípio,
segundo eles, a nova bolsa foi criada apenas como uma empresa de fachada
para sugar e desviar os recursos das fundações, sem que os executivos
tivessem, de fato, trabalhado para levar o negócio adiante.
Os fundos argumentam que BNY Mellon, então liderado por Oliveira,
participou da captação de recursos, além de ter assumido a gestão e a
administração dos fundos. A partir das fraudes apontadas pelo MPF e CVM,
os fundos sustentam que o BNY falhou em seus deveres de fiscalização e
controle das operações. Apontam, ainda, graves omissões de informações
e “falseamento daquelas que eram prestadas aos cotistas acerca do FIP”.
No entender dos fundos, as fraudes não teriam sido possíveis sem “a
conivência ou a grave negligência do Mellon” e de seus funcionários, que
ocupavam postos de controle do FIP e “deliberadamente desligaram seus
radares”.
Para os fundos, o caso é “exemplo didático de como a falha com o
cumprimento de deveres (fiduciários) de importantes ‘gatekeepers’ pode
levar a consequências catastróficas”. Para eles, o BNY Mellon tinha o poder
e o dever de impedir a aquisição de ações de uma companhia
superavaliada, como a ATG, e de ter identificado “tudo o que de errado
estava ocorrendo”.
Postalis e Serpros afirmam ainda que trabalham para responsabilizar exfuncionários
que tenham falhado na aprovação do investimento no ETB e
contribuído para os prejuízos. E dizem lamentar que uma instituição como
o BNY Mellon “relute em fazer o mesmo”. Para eles, o BNY Mellon insiste
em negar os acontecimentos e “acobertar criminosos que outrora
ocupavam suas mais altas cadeiras diretivas”. Oliveira foi afastado do BNY
Mellon em 2013, mas não por conta de operações realizadas pelo ETB. A
instituição já informou que fez investigações internas e não encontrou
irregularidades nessa operação.
Procurado pelo Valor, o BNY Mellon não deu entrevista. Carlos Wehrs, sócio
do escritório Feldens Madruga, que defende Oliveira, afirma que
desconhece o procedimento arbitral e diz que seu cliente esclarece que
“não praticou qualquer irregularidade durante sua gestão no BNY Mellon”.
O Postalis afirma que, desde a intervenção e agora com a nova gestão do
fundo, vem adotando diversas estratégias para recuperar o máximo de
ativos relativos a investimentos malsucedidos no passado - a arbitragem é
uma delas. O Serpros não respondeu a pedido de entrevista.
O BNY Mellon, representado pelo Sergio Bermudes Advogados, tenta,
ainda, anular a instalação da arbitragem, depois de ter a liminar negada.
Eles argumentam, em síntese, que não podem ser incluídos no processo
arbitral pois não teriam assinado o regulamento, que prevê essa
possibilidade. O tribunal arbitral entendeu que a argumentação não era
válida.
Os advogados do BNY Mellon argumentam ainda que o Postalis deveria se
retirar da arbitragem pelo fato de o fundo ter aderido a uma ação civil
pública iniciada pelo Ministério Público que busca ressarcimento do Mellon
por prejuízos causados ao fundo. No entender do Mellon, o Postalis quer a
mesma coisa na ação e na arbitragem, “buscando o mesmo resultado
prático por meio de duas frentes distintas, o que a lei não admite”. Mas o
tribunal arbitral, novamente, não aceitou a argumentação. Avaliou que na
ação civil pública o autor é o Ministério Público, que acionou a BNY DTVM,
com foco na administração da carteira do Postalis. Já a arbitragem é movida
por Serpros e Postalis, inclui também a BNY Ativos e trata da administração
e gestão do ETB FIP. O processo está no Centro de Arbitragem e Mediação
da Câmara de Comércio Brasil Canadá (CAM- CCBC).