31/03/2025

Fim do Perse viola segurança jurídica e anterioridades, dizem tributaristas

Por: José Higídio
Fonte: Consultor Jurídico
A Receita Federal oficializou na última segunda-feira (24/3) o fim do Programa
Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), que atingiu o teto de
renúncia fiscal de R$ 15 bilhões. Embora esse limite esteja previsto na Lei
14.859/2024, tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor
Jurídico consideram que o encerramento do benefício viola a segurança
jurídica e os princípios da anterioridade.
Programa para setor de eventos atingiu seu limite de renúncia fiscal, previsto
em lei do último ano que alterou a original
O Perse foi criado pela Lei 14.148/2021 para socorrer empresas de eventos em
meio à crise da Covid-19, quando o setor sofreu restrições para evitar
aglomerações. O principal benefício era a redução das alíquotas de PIS, Cofins,
IRPJ e CSLL a zero pelo prazo de cinco anos. Após suspeitas de fraudes, a
Medida Provisória 1.202/2023 revogou o Perse, mas ele foi retomado com
limitações no ano seguinte.
Pelas regras da lei de 2024, a extinção do Perse ao atingir o limite de R$ 15
bilhões passará a valer no próximo mês. De acordo com o tributarista
Leonardo Aguirra de Andrade, sócio do escritório Andrade Maia Advogados,
essa interrupção gera insegurança.
Isso porque a lei original previa um prazo de cinco anos, mas o programa mais
tarde sofreu uma “limitação quantitativa” que surpreendeu o contribuinte.
Na sua visão, isso não contraria o artigo 178 do Código Tributário Nacional
(CTN), segundo o qual isenções só não podem ser revogadas ou modificadas
se concedidas por prazo certo e em função de determinadas condições
“Prazo certo havia, mas não havia propriamente uma condição onerosa”, indica
ele. “Simplesmente o fato de uma empresa estar em um setor não é uma
condição onerosa suficiente para atender ao artigo 178 do CTN.” De todo
modo, Andrade vê essa regra como apenas uma expressão da segurança jurídica,
que vai muito além disso.
O princípio da anterioridade anual está previsto na alínea “b” do inciso III do
artigo 150 da Constituição. Segundo essa regra, leis que criam ou aumentam um
imposto só produzem efeitos no ano seguinte à sua publicação. Já a alínea “c”
prevê a anterioridade nonagesimal, segundo a qual são necessários 90 dias para
uma lei do tipo entrar em vigor.
Com relação a essas regras, o advogado lembra decisão recente na qual o
Supremo Tribunal Federal reiterou que a revogação de um benefício tributário
também deve seguir os princípios de anterioridade (RE 1.473.645), para
proteger a segurança jurídica.
Ele ressalta que a CSLL, o PIS e a Cofins se submetem à anterioridade
nonagesimal. Já o IRPJ não se submete a essa regra, mas precisa seguir a
anterioridade anual.
Alteração abrupta
Na opinião de Mayra Tenório, advogada tributarista do escritório /asbz, a
extinção imediata do Perse gera uma alteração abrupta: “É juridicamente
legítima a defesa de sua manutenção até março de 2027, com base na segurança
jurídica, na proteção da confiança legítima e no artigo 178 do CTN, que
assegura a continuidade de incentivos concedidos por prazo certo e sob
condição. Também deve ser respeitada a anterioridade, cuja aplicação à
revogação de benefícios fiscais já foi reconhecida pelo STF”.
Ramiz Sabbag Junior, tributarista do Henrique Mello Advocacia Tributária,
entende que o fim do programa viola não só a segurança jurídica e as
anterioridades, mas também “o próprio direito adquirido ao benefício
concedido por prazo certo e sob condições”. Afinal, a lei original não previa
limite orçamentário. Além disso, o STF considera que a revogação de benefícios
fiscais equivale ao aumento de tributos, ainda que indireto (RE 1.272.485).
“A vigência do benefício por um prazo absolutamente indeterminado, sujeito à
demonstração de um teto de renúncia em relação ao qual não há qualquer
previsibilidade por parte dos contribuintes, contribui para um cenário de
profunda insegurança”, acrescenta Alexandre Monteiro, do Bocater
Advogados.
Segundo Tadeu Negromonte, do Rolim Goulart Cardoso Advogados, a Lei
14.859/2024, que previu o teto do Perse, poderia ter feito previsões de quando
ele seria efetivamente atingido. “Esse tipo de incerteza compromete o
planejamento tributário e financeiro das empresas, independentemente das
polêmicas relacionadas à finalidade e ao impacto nas contas públicas.”
Para Thiago Omar Sarraf, do TAGD Advogados, a extinção a princípio não
violaria a segurança jurídica em sentido amplo, porque o governo federal
apresentou a evolução do consumo do benefício fiscal de forma bimestral, ou
seja, havia “alguma previsibilidade quanto ao atingimento do limite”.
Por outro lado, “sequer o governo federal saberia o mês em que os R$ 15
bilhões seriam efetivamente consumidos, o que tornaria tal fato imprevisível
aos contribuintes, posto que essa concretização não depende de sua operação,
mas de todas as empresas beneficiadas pelo Perse”. Embora a Receita tenha
estimado que o teto seria atingido neste mês de março, Sarraf aponta que isso
era “uma mera probabilidade”.
Sócio do Serur Advogados, Cristiano Araújo Luzes não vê impedimento com
base nas anterioridades, pois a lei foi alterada em 2024 e só está produzindo
efeitos agora: “Desse ponto de vista, não houve surpresa.”
Mesmo assim, ele acredita que o fim do Perse neste momento pode ser
questionado judicialmente por violação ao princípio da segurança jurídica, já
que “os contribuintes tinham expectativa legítima de usufruir do benefício até
2027”.