Entenda as mudanças na tributação de ativos de pessoas físicas no exterior
Por Valor — São Paulo
Fonte: Valor Econômico
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou com veto,
na terça-feira (12), a Lei nº 14.754, que muda o Imposto de Renda (IR) sobre
fundos de investimentos e sobre a renda obtida no exterior por meio de
offshores. A lei vigorará a partir de 1º de janeiro, com exceções de algumas
regras, como as relativas à transição do regime.
O veto presidencial eliminou um trecho na parte relativa aos fundos de
investimento que definia bolsas de valores e mercados de balcão como “aqueles
que operam como sistemas centralizados multilaterais de negociação”. A
justificativa apresentada pelo governo foi que a lei tinha uma definição restritiva
e que “deixaria de fora da regulação outros participantes que podem funcionar
com sistemas bilaterais de negociação”.
A norma, explica Suzana Camarão Cencin Castelnau, sócia do escritório
Donelli, Abreu Sodré e Nicolai Advogados – DSA, é originária do Projeto
de Lei (PL) nº 4.173/2023 e altera uma série de leis, entre elas o Código Civil,
restringindo garantias emitidas pelos fundos, tratando de sociedades com ativos
virtuais, para tributar ou aumentar as alíquotas incidentes sobre fundos
exclusivos (fundos de investimento com um único cotista) e aplicações em
offshores (empresas no exterior que investem no mercado financeiro). Em
cinco perguntas, a especialistas esclarece dúvidas sobre o tema, no que se refere
aos investimentos no exterior.
1 - Quais são as atuais formas de investimento de pessoas físicas no
exterior?
Atualmente, considerando que a Lei nº 14.754/2023 irá vigorar a partir de 1º
de janeiro de 2024, são utilizadas quatro estruturas: (i) corretora no exterior,
com investimento direto das pessoas físicas; (ii) offshores; (iii) trusts; e (iv)
fundos de investimento no exterior.
2 - Como são utilizadas essas estruturas?
Hoje, a abertura de conta em corretora no exterior é um processo simplificado
e de fácil acesso a diversos brasileiros. Tem custos mais baixos e dá acesso a
produtos internacionais para qualquer valor de patrimônio. Contudo, na
legislação antes da aprovação da Lei nº 14.754/2023, sempre que as pessoas
físicas tivessem rendimentos fora do país, precisavam emitir e recolher o
Imposto de Renda apurado pelo programa carnê-leão até o último dia útil do
mês subsequente. Isso gerava uma burocracia que muitas pessoas nem sabiam
que precisavam cumprir, ficando inadimplentes com o Fisco. Ademais, se a
estrutura de investimento no exterior não fosse bem pensada, os herdeiros da
pessoa física poderiam e, neste caso, ainda podem, ficar sujeitos à tributação de
herança no exterior no momento da sucessão.
Relativamente às offshores, que são as empresas constituídas no exterior de
titularidade de brasileiros, atualmente representam uma estrutura um pouco
mais robusta e sofisticada e, com base na legislação ainda em vigor, apresentam
vantagem de diferimento da tributação no Brasil para o momento em que os
valores investidos no exterior sejam distribuídos para os sócios com pagamento
de dividendos. Além de dar acesso a produtos internacionais mais
diversificados, pois nem todo portfólio é disponibilizado para as pessoas físicas,
ela auxilia no planejamento sucessório. Atualmente, faz sentido para famílias
com patrimônio no exterior acima de US$ 300.000,00, o que muda um pouco
com a aprovação da Lei nº 14.754/2023.
O trust no exterior não era até então regulado no Brasil, o que trazia um risco
de tributação elevado dependendo do entendimento da Receita Federal de
como tratar os valores recebidos. Por essa razão, acabava sendo utilizado em
estruturas específicas, como por exemplo, família com algum membro incapaz
que precise de assistências especiais, algum beneficiário no exterior.
Por fim, com relação aos fundos, o formato dependia um pouco dos produtos
oferecidos pelo banco escolhido para os investimentos; geralmente, requereria
rendas mais elevadas, com investimentos a partir de US$ 5.000.000,00. Para
esses casos, o banco também costuma propor meios para a sucessão.
3 - O que muda com a Lei 14.754/2023?
A lei simplifica os investimentos feitos diretamente por pessoas físicas no
exterior. Como esse tipo de investimento tem sido mais utilizado e está mais
pulverizado, essa alteração pode ser bem recebida, já que a tributação passa a
ser anual, no momento da declaração de Imposto de Renda.
No que se refere às offshores, a lei altera a forma de tributação, que passa a ser
pelo regime de competência e não pelo regime de caixa. Isso significa que,
anualmente, será apurado o resultado da offshore e a pessoa física titular das
ações irá pagar uma alíquota fixa de 15% sobre os rendimentos. Mas a lei dá a
alternativa de optar por considerar a offshore transparente e incluir na
declaração de Imposto de Renda diretamente os ativos investidos no exterior
linha a linha – voltando, neste caso, a tributação a ser pelo regime de caixa,
como se os ativos da offshore fossem diretamente detidos pela pessoa física,
que pagará tributação somente quando receber rendimentos de cada um dos
ativos, mas com uma exposição bem maior dos bens do contribuinte no
exterior, além da complexidade na declaração, que precisará abranger todos os
ativos da offshore, que podem variar ano a ano. O custo dessa estrutura pode
acabar ficando um pouco mais alto quando se optar pela opacidade da
sociedade offshore, já que a Lei nº 14.754/2023 determina o recolhimento do
tributo com base anual.
Os trusts passam a ser regulados e o recebimento dos ativos principais será
considerado doação ou herança, o que facilita a utilização do instituto pelos
residentes no Brasil, sem risco de interpretação diferente por parte da Receita
Federal. A tributação dos rendimentos recebidos de um trust seguirá a alíquota
fixa de 15%.
Por fim, a lei também tributa os rendimentos advindos dos fundos de
investimento no exterior. Essas estruturas são geralmente mais sofisticadas e
contam com maiores investimentos, uma alternativa para manter a tributação
similar à atual é a detenção do fundo no exterior através de um fundo no Brasil.
4 - E com relação às offshores, basta optar pela transparência que não
pagarei tributos anualmente?
Em princípio sim. Nos termos da lei, lembrando que a opção pela transparência
é irrevogável e irretratável, caso seja necessário alterar a opção, a pessoa terá
que montar uma nova estrutura no exterior e abrir nova sociedade (podendo
estar sujeita ao pagamento de ganho de capital nesta operação). Também
ressaltamos que, caso seja de interesse da pessoa detentora de uma offshore
questionar a constitucionalidade da tributação de dividendos no exterior, a
opção pela transparência da offshore pode enfraquecer os argumentos.
Essa opção pela transparência deverá ocorrer na declaração de imposto
subsequente à entrada em vigor da lei.
5 - Quando a lei e essas novas regras deverão entrar em vigor?
Por se tratar de matéria de imposto de renda, o parágrafo 1º do artigo 150 da
Constituição Federal determina que não é necessária a aplicação da
anterioridade nonagesimal, apenas a anterioridade do exercício. Dessa forma,
entendemos que a lei passa a vigorar no início de 2024, conforme previsto em
seu texto.