Empresas perdem no STF disputa contra lei paulista
Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
Por dez votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou uma lei do
Estado de São Paulo que prevê a cassação da inscrição no cadastro do
ICMS de empresa que explorar, direta ou indiretamente, trabalho escravo ou
em condições análogas à escravidão. Na prática, a sanção impede a empresa
de continuar a operar legalmente.
A decisão foi dada em ação da Confederação Nacional do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo (CNC). A entidade questionava os artigos 1º ao 4º da Lei
nº 14.946, de 2013, que instituíram as sanções. Segundo a entidade, a norma
invadiu a competência da União para organizar a fiscalização do trabalho e feriu
os princípios do contraditório e da ampla defesa (ADI 5465).
A maioria dos ministros, no entanto, não concordou com os argumentos. Eles
acompanharam o entendimento do relator, com sugestões incorporadas ao
longo da discussão no Plenário, para conferir interpretação conforme à
Constituição aos dispositivos questionados.
No julgamento, os ministros entenderam que o sócio ou preposto do
estabelecimento deve ter como saber ou suspeitar do uso de trabalho análogo à
escravidão na cadeia de produção das mercadorias, e esse conhecimento deve
ser comprovado em processo administrativo, garantindo o direito à ampla
defesa.
Em relação à punição direcionada a sócio ou administrador, é preciso que, além
de saber ou ter como suspeitar da situação, ele tenha agido ou se omitido nos
procedimentos e viabilizado a compra das mercadorias produzidas com uso de
trabalho análogo à escravidão.
De acordo com a lei, a empresa teria que ficar dez anos com o cadastro de ICMS
cassado, mas os ministros decidiram que esse prazo deve ser considerado o
limite máximo, e a redação deve ser ajustada para dizer “até dez anos”.
Ainda ficou definido que o reconhecimento da ocorrência de trabalho análogo
à escravidão deve ficar a cargo de órgão federal competente. Ficou vencido o
ministro Dias Toffoli, para quem a lei invadiu a competência da União.
Segundo especialistas, as restrições na interpretação da lei são positivas e
respeitam o pacto federativo. A preocupação de ressaltar que a inspeção do
trabalho é de competência exclusiva da União, levantada por Gilmar Mendes,
foi destacada como positiva por Leonardo Roesler, sócio do RCA Advogados.
“Qualquer tentativa normativa de delegar aos entes subnacionais a tarefa de
apuração autônoma de infrações trabalhistas representa afronta ao modelo
federativo e à centralização intencional do poder de fiscalização das relações
laborais em âmbito federal”, afirma.
Para o advogado, a decisão também prestigia a boa-fé de empresários que,
muitas vezes, operam em cadeias produtivas complexas, com múltiplos
fornecedores e subcontratados, e que não possuem meios técnicos ou jurídicos
de identificar irregularidades ocultas nos processos de produção.
Maria Fernanda Redi, sócia do HRSA Sociedade de Advogados, acredita que as
ressalvas feitas pelos ministros corrigiram deficiências da lei, ao resguardar os
direitos dos sócios, limitar o prazo das sanções e preservar a competência
federal. “Se não fosse preservada essa competência federal, a lei estadual teria
de ser declarada inconstitucional”, diz.
Por meio de nota, a CNC diz que é “contra qualquer forma de trabalho escravo
e análogo à escravidão” e entende que a decisão foi positiva.
Para Inês Coimbra, procuradora-geral do Estado de São Paulo, a lei validada é
um passo significativo para maior responsabilidade social. "Mais do que uma
decisão jurídica, trata-se de um reconhecimento do papel que os Estados
podem exercer na promoção de boas práticas e no
fortalecimento da legalidade."