11/06/2025

Decisão do STJ destrava recuperação bilionária do Grupo João Santos

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve no cargo
o atual responsável pelo inventário do empresário João Santos, o que,
segundo advogados, permite o andamento do processo e da recuperação
judicial bilionária do Grupo João Santos, do qual faz parte a Cimento
Nassau. Com o julgamento, ativos do espólio e das 43 empresas do
conglomerado industrial, estimados em R$ 5 bilhões, podem ser vendidos.
A alienação de bens é a principal forma de restruturação do grupo, que além de
pagar os credores, precisa quitar parcelas da transação tributária com a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Foi o maior acordo já
firmado pelo órgão, que reduziu um passivo fiscal de R$ 11,3 bilhões para R$
2 bilhões.
O grupo também precisa pagar as prestações do financiamento DIP dado pela
ARC Capital, de R$ 230 milhões, usados como entrada na transação com a
União. Apesar do inventário e recuperação judicial serem ações distintas, há
influência de um processo no outro. Isso porque o maior patrimônio do
inventário são as cotas sociais da holding Nassau Participações, controladora
das companhias em restruturação. Os seis herdeiros detêm 91% de participação
na holding.
O julgamento no STJ foi marcado por tensão entre ministros e advogados. São
mais de 40 representantes legais envolvidos no litígio. O imbróglio começou
após um desentendimento entre os herdeiros de João Santos. Após a morte do
empresário, em 2009, o filho Fernando João Pereira dos Santos assumiu o
inventário.
Contudo, alguns dos irmãos questionaram a transparência na condução do
processo e o acusaram de dilapidar o patrimônio do pai. Pediram na Justiça que
ele fosse destituído, o que foi negado em primeira instância, mas acatado pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE).
Impactos sociais são muito grandes. É um dos maiores grupos do Nordeste”
— Carlos H. Dias
Os irmãos sugeriram como substituta a herdeira Maria Helena dos Santos
Bandeira de Melo ou um inventariante dativo - um terceiro alheio ao caso. Foi
nomeado para ocupar o cargo o advogado Augusto Quidute, do Quidute,
Scavuzzi & Andrade Lima Advogados Associados. Fernando recorreu ao STJ e
conseguiu liminar do relator, ministro Moura Ribeiro, para suspender a venda
de ativos do espólio e da recuperação judicial.
Ontem, a liminar foi revogada. Os ministros analisaram se mantinham a decisão
do TJPE - se preservavam o atual inventariante dativo ou se Fernando voltaria
ao cargo. O herdeiro alegou que o julgamento do TJPE foi “extra petita”, isto
é, não foi pedido pelas partes que fosse nomeado inventariante dativo, segundo
ele. Também argumentou que foi violado o artigo 617 do Código de Processo
Civil (CPC), que prevê uma ordem de preferência entre herdeiros para
nomeação de inventariante.
A tese foi acatada pelo relator que votou na semana passada e pela ministra
Daniela Teixeira. Mas prevaleceu o voto da ministra Nancy Andrighi, seguida
pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva e Humberto Martins.
Para Nancy, a ordem estabelecida no artigo 617 do CPC não precisa
necessariamente ser seguida pelo juiz, “desde que existam razões fundadas para
tanto”. Citou, inclusive, precedentes de ambas as turmas de direito privado do
STJ que flexibilizaram a regra. Também negou o argumento de que houve
julgamento extra petita. “Pela expressa literalidade das petições, a substituição
de Fernando por inventariante dativo está dentro do pedido formulado em sede
de agravo de instrumento”, afirmou.
O advogado Francisco Loureiro Severien, sócio do Severien Andrade
Advogados, que atua pela herdeira Maria Helena e participou das negociações
com a PGFN na transação tributária, diz que a decisão preserva o cumprimento
do plano aprovado por 60% dos credores. “Deixa um caminho livre para que
se siga o cumprimento do plano e coloque o grupo tão importante de volta ao
cenário nacional”, afirma.
Segundo ele, o processo de restruturação ficou parado por conta da liminar,
sendo que existem dezenas de propostas na mesa para a compra dos bens do
grupo, da ordem de R$ 600 milhões. “Estavam aguardando tão somente a
revogação da decisão de Moura Ribeiro para dar continuidade ao plano de
alienação em curso na recuperação.”
Mesmo que os pagamentos à União e o DIP só tenham vencimento em 2026,
acrescenta, havia pressa em reverter a decisão por conta das propostas dos
investidores. “Não consegue se vender ativos em poucos meses. São processos
complexos, que envolvem a avaliação dos bens, não é trivial”, diz ele, citando
que é necessário em torno de 90 a 180 dias para a alienação.
Para o economista João Rogério, sócio da PPK Consultoria, responsável pela
estruturação econômica do plano de recuperação do grupo, a decisão do STJ
“garante a continuidade da execução do plano de recuperação do Grupo João
Santos, incluindo a alienação dos ativos previstos tanto no acordo com a PGFN
como no cumprimento das obrigações com mais de 20 mil credores trabalhistas
e de outras classes”.
O advogado Carlos Henrique Dias, do Zanin Martins Advogados, que atua pelo
grupo e herdeira Alexandra Pereira dos Santos, afirma que a decisão anterior,
de Moura Ribeiro, afetou o andamento da recuperação judicial “pelo fato da
holding ser do espólio”. “O julgamento preservou as empresas, a recuperação
e os impactos sociais são muito grandes, porque é uma das maiores companhias
do Nordeste.”
O inventariante dativo, Augusto Quidute, diz que “agora vai existir o
destravamento da recuperação e ela vai seguir seu rumo”. “Existia um
entendimento cauteloso que se prosseguissem com alguma venda na
recuperação judicial, o STJ poderia dizer que houve desobediência”, afirma. “A
decisão me traz um conforto porque julgou que os atos que pratiquei foram
válidos.” Ele afirma ainda que haverá a eleição pelos herdeiros de quais bens
devem ser vendidos no espólio. O mais adiantado é um terreno em São Paulo
que pode, sozinho, pagar dívida de R$ 16 milhões.
Procurada pelo Valor, a defesa da Fernando João Pereira dos Santos informou
que aguardará a publicação do acórdão.