09/06/2025

Carf livra de tributação bônus de permanência pago por banco

Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
Os contribuintes conseguiram no Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (Carf) um importante precedente na disputa com a Receita Federal
sobre tributação do chamado bônus de retenção ou permanência. A 1ª
Turma da 1ª Câmara da 2ª Seção entendeu, no julgamento do recurso de um
banco de investimentos, que a verba não integra a remuneração habitual de
seus empregados e, portanto, não está sujeita às contribuições
previdenciárias.
A relevância do precedente está no fato de a jurisprudência majoritária dos
colegiados do Carf ser favorável à tributação, tanto do bônus de permanência
quanto do bônus de contratação (“hiring” bônus). O de permanência é um
incentivo comumente oferecido por empresas a executivos, como forma de
retenção de talentos.
Na decisão, os conselheiros entenderam que o pagamento precisa atender a
requisitos específicos para não integrar a base de cálculo da contribuição, como
ser pago em parcela única, sem exigência de contrapartida direta, e
condicionado à continuidade do empregado por um período determinado.
No processo, o contribuinte foi autuado por ter feito 79 pagamentos a título de
bônus de retenção, totalizando R$ 18 milhões. A Receita Federal entendeu que
esses pagamentos integravam o salário de contribuição, conceito usado para
determinar a base de cálculo das contribuições previdenciárias.
Por maioria, no entanto, o colegiado decidiu excluir o lançamento dos valores
pagos a título de abono retenção. Para os conselheiros, “tais valores não
possuem natureza remuneratória, pois não decorrem da prestação de serviços
por pessoa física, mas, sim, de uma obrigação de fazer, ou seja, a manutenção
do contrato de trabalho pelo período acordado, sem conexão com o fato
gerador das contribuições previdenciárias” (processo nº 16539.720010/2019-
45).
A decisão favorável ao contribuinte, segundo especialistas, é “um ponto fora da
curva” na discussão sobre bonificações. Duas decisões de fevereiro, da 2ª
Turma da 1ª Câmara da 2ª Seção, também em processos envolvendo bancos,
adotam o entendimento de que o bônus de contratação integra a base de cálculo
das contribuições previdenciárias.
“O montante do bônus de contratação é recebido em contrapartida à prestação
de serviços e manutenção da relação de emprego e, na hipótese de desligamento
antes de 12 meses, o valor pago pela empresa deverá ser devolvido
proporcionalmente”, afirma um dos acórdãos (processo nº
16327.721143/2015-09).
No outro caso, os conselheiros decidiram que o pagamento “inclui benefício
decorrente da contraprestação dos serviços, numa retribuição antecipada do
trabalho que virá a ser prestado para a empresa” (processo nº
16327.721143/2015-09).
Na Câmara Superior, última instância do tribunal administrativo, não há uma
jurisprudência firme a respeito do assunto, segundo especialistas. Duas decisões
de um mesmo colegiado, com alguns meses de diferença, tiveram
entendimentos divergentes.
Em fevereiro de 2024, a 2ª Turma decidiu que a verba paga a título de hiring
bonus é decorrente do contrato de trabalho e está sujeita às contribuições
previdenciárias (processo nº 16327.720119/2015-44).
O principal problema é a indefinição conceitual a respeito dos bônus”
— Caio Malpighi
Em agosto, no entanto, a mesma turma entendeu que os bônus de contratação,
em princípio, “estariam fora do alcance da incidência das contribuições
previdenciárias”. Para que fique caracterizada a natureza não remuneratória,
acrescenta, “é preciso que a verba não esteja vinculada à relação contratual de
trabalho, devendo ser paga incondicionalmente, sem cláusula de permanência
mínima” (processo nº 16327.720119/2017-14).
De acordo com especialistas, essa ausência de uniformização sobre o tema cria
insegurança para os contribuintes e desincentiva o uso de bonificações,
prejudicando as relações de trabalho. Rômulo Coutinho, sócio do Lavez
Coutinho, destaca que a variedade de critérios adotados para identificar os
bônus dificulta o planejamento tributário das empresas.
“Às vezes, o próprio Fisco acaba tratando os bônus de contratação e de
retenção do mesmo jeito, por considerar que integram o salário de contribuição.
Mas para o contribuinte, são verbas diferentes”, diz o advogado, acrescentando
que é difícil oferecer consultoria sobre esse assunto. “Quando alguém vem nos
consultar sobre o Carf, eu preciso dizer que tem bônus tributado, não tributado,
e que não há jurisprudência com critérios seguros.”
O principal problema é a indefinição conceitual a respeito dos bônus, o que
leva a uma análise caso a caso dos processos que chegam ao Carf, afirma o
advogado Caio Malpighi, do Vieira Rezende Advogados. “A depender da
composição da turma e da convicção de cada conselheiro, a maioria vai achar
que é remuneração porque está vinculado a uma contraprestação futura, mesmo
tendo sido negociado antes de começar e não sendo pago de forma habitual”,
diz.
A própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) destaca a
inexistência de uma “tese consolidada” a respeito do bônus de permanência.
“O Carf tem decidido, a partir das circunstâncias dos casos concretos, acerca
da legalidade da exigência de tributos sobre o pagamento de bônus de retenção
(permanência). No acórdão 2101-002.969 (processo nº 16539.720010/2019-
45), a turma destacou inúmeras especificidades relacionadas ao acionista
majoritário que justificaram o pagamento em questão”, afirma o órgão, em nota.
Malpighi destaca que essas bonificações são ‘arranjos atípicos’, sem previsão
legal no Código Civil ou nos regramentos trabalhistas, o que acaba contrapondo
os interesses do Fisco e os dos contribuintes. “Na minha opinião, se o arranjo
estiver bem estipulado em contrato, e estiver bem clara a motivação pelo
pagamento, não se trata de uma verba habitual, e, portanto, não pode ser
incluída no salário de contribuição.”