Carf derruba autuação fiscal milionária que cobrava PIS e Cofins do Banco Itaú
Por: Adriana Aguiar
Fonte: Valor Econômico
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) derrubou um auto de
infração que cobrava um total de R$ 329 milhões de PIS e Cofins do Banco
Itaú, em valores atualizados, após operação bilionária que envolveu a
securitizadora da instituição financeira. A decisão unânime é da 2ª Turma da
3ª Câmara da 3ª Seção, que afastou a alegação da Receita Federal de
planejamento tributário abusivo. Ainda cabe recurso.
A operação analisada pela fiscalização consistiu em transferência de
aproximadamente R$ 8,1 bilhões para a Companhia Securitizadora de Créditos
Financeiros (Itaú Cia Sec) em março de 2015 e a utilização desse valor, na
mesma data do aumento do capital social da securitizadora, para a aquisição de
cotas do fundo de investimento exclusivo RT Voyager Renda Fixa Crédito
Privado.
As cotas do fundo RT Voyager proporcionaram à Itaú Cia Sec receitas
financeiras de R$ 1,1 bilhão, em 2015, e R$ 1,4 bilhão, em 2016. Contudo, essas
receitas foram integralmente excluídas das bases de cálculo do PIS e da Cofins,
por não estarem relacionadas à atividade típica do objeto social da entidade, que
seria a securitização de créditos.
O percentual de participação de cada acionista na Itaú Cia Sec não se alterou
com o aumento do capital social - 91% é do Itaú Unibanco, 8% da Provar
Negócios de Varejo e uma parcela irrisória do Itaú BBA Participações.
Para a fiscalização, contudo, a aparência meramente formal da securitizadora
viabilizou a execução de um planejamento tributário abusivo, baseado em fatos
simulados, unicamente para atrair a aplicação de norma tributária benéfica, que
resultasse em carga tributária menor.
Já a defesa do Itaú afirma, no processo, que existe propósito econômicoempresarial
para o aumento de capital da Itaú Cia Sec. Isso porque a operação
foi realizada um dia antes do Decreto nº 8.426, de 2015, que restabeleceu as
alíquotas de PIS e Cofins sobre receitas financeiras no regime não cumulativo.
Alega também que não houve fraude.
Ao analisar o caso, a relatora, conselheira Mariel Orsi Gameiro, entendeu que
o objetivo de economia tributária é suficiente a embasar e preencher o conteúdo
do propósito negocial. “Especialmente porque a operação aqui carrega todos
os registros e atendimento às normas jurídicas, contábeis e fiscais”, afirma na
decisão.
Além disso, a conselheira destaca que existe comprovada existência de um
segundo propósito, que é o regulatório. “Tendo em vista que a operação foi
realizada também com intuito de observância do Basileia III, face à manutenção
do índice de imobilização abaixo do limite de 50% (capital prudencial do
grupo)”, diz.
A conselheira ainda ressalta que “não houve simulação pelo simples fato de
alocação das receitas na Itaú Securitizadora, principalmente porque o
embasamento enganoso e estapafúrdio usado pela fiscalização reside num
exercício de futurologia de legislação que restabeleceria as alíquotas de receitas
não financeiras a partir de 1º de abril de 2015, quando toda operação foi
realizada em 30 de março de 2015”.
Esse é o primeiro precedente com uso de securitizadora em planejamento
tributário”
— Caio Malpighi
Assim decidiu pela anulação do auto de infração e considerou prejudicada a
acusação de fraude, bem como a aplicação da multa qualificada (processo nº
16327.720206/2020-69). Ela foi acompanhada pela maioria dos conselheiros.
Segundo o tributarista Caio Malpighi, do VBSO Advogados, esse é o primeiro
precedente de que tem conhecimento, no qual se utiliza uma securitizadora do
grupo em planejamento tributário, que não estaria sujeita ao recolhimento de
PIS e Cofins sobre as receitas financeiras.
Para Malpighi, a decisão é ainda mais interessante porque reacende a discussão
sobre a obrigação de ter ou não um propósito negocial para essas
reestruturações. A conselheira relatora, no caso, acrescenta, entendeu que a
empresa agiu dentro da legalidade e poderia fazer essa operação mesmo que
visando a economia de tributos, apesar de o Itaú ter demonstrado haver outras
motivações.
Esse julgamento do Carf, segundo o advogado Maurício Faro, do BMA
Advogados, segue alinhado com o entendimento do Supremo Tribunal Federal
(STF), ao validar a chamada “norma geral antielisão”, voltada a combater
planejamentos tributários considerados abusivos pelo Fisco (ADI 2446). Ele
afirma que, na ocasião, a ministra Cármen Lúcia, embora tenha reconhecido a
validade do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional
(CTN), entendeu que o contribuinte tem direito de se reorganizar e que essa
reorganização com fins a eficiência tributária se justificaria por si só.
No caso analisado pelo Carf, afirma Faro, a maioria dos conselheiros entendeu
por anular o auto de infração, tanto pelo direito de se reorganizar do
contribuinte, de buscar um planejamento que traduz em eficiência tributária,
quanto pelo fundamento regulatório. “Os dois argumentos se sustentam para
afastar a alegação de simulação ou fraude”, diz.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)
informou que estuda o caso para um possível recurso. O Itaú afirma, por meio
de nota, que “a decisão do Carf confirma a regularidade da operação”.