Bets, fintechs e criptoativos devem pagar mais impostos? Veja as distorções que o governo quer corrigir e os erros que cometeu
Por: Míriam Leitão
Fonte: O Globo
O governo publicou ontem à noite a Medida Provisória que pretende substituir
o decreto do IOF, enquanto ainda prepara o projeto de lei que trata da redução
de isenções e deduções tributárias, essa sim medida de corte de gastos, afinal
segundo a equipe econômica são R$ 800 bilhões por ano que deixam de entrar
no cofre da União. Até aqui, no entanto, o que foi aumento de imposto sobre
aplicações financeiras, o que está provocando toda essa reação contra.
Mas é bom a gente entender que o ministro Fernando Haddad tem razão
quando diz que algumas medidas são para corrigir distorções. As fintechs eram
pequenas empresas, hoje parte delas já são grande instituições financeiras. Claro
que devem pagar mais do que pagavam antes. Os sites de apostas eletrônicas,
por que deveriam ser poupados? E as criptomoedas devem ser taxadas ou não.
Para entender se a Medida Provisória tem mérito ou não, é preciso analisar
ponto a ponto.
As fintechs mesmo com a elevação, vão continuar pagando menos tributo do
que os bancos tradicionais, 15% contra 20% . A MP aumenta também o IR
sobre a distribuição de Juros sobre Capital Próprio (JCP), de 15% para 20%.
Essa operação acontece quando o sócio, o acionista, coloca dinheiro na empresa
e recebe juros sobre o capital investido. Há uma grande discussão sobre se a
JCP deveria ou não ser taxada, essa operação já foi isenta, é a segunda vez que
o ministro Fernando Haddad eleva esse imposto. Há quem avalie que, ao
colocar imposto sobre essa operação, se desincentiva o investimento do próprio
empresário na sua companhia. De outro lado, há aqueles que considerem que
muitos empresários usam essa operação para obter uma grande remuneração
sem imposto. Essa é a visão do ministério.
Os títulos incentivados, como as letras de crédito imobiliário e agrícola (LCI e
LCA), debêntures de infraestrutura, que eram isentos de tributação, passarão a
pagar 5%, ainda bem abaixo da média das aplicações.
Há erros. Por exemplo, atualmente, o rendimento de aplicações financeiras de
renda fixa de forma geral tem uma alíquota regressiva, de 22,5% a 15%, o
percentual cai com o tempo. Quanto maior o prazo da aplicação, menor o
imposto sobre o rendimento. A MP põe fim a essa gradação, unificando a
alíquota em 17,5%. Qual o erro dessa medida? Ela desestimula a aplicação de
mais longo prazo. Afinal, independentemente do prazo, o imposto a ser pago
será o mesmo. Então, qual é o incentivo de manter a aplicação por mais tempo?
E esse é um problema do Brasil, as aplicações financeiras, em sua maior parcela,
são de curto prazo, e a medida desestimula compras de títulos de longo prazo.
Não entendi qual o grande ganho que vem dessa mudança.
Agora, em relação ao aumento da alíquota para as plataformas de jogos online,
as Bets, não consigo ver como uma medida ruim, pelo contrário. Estas
empresas estão ganhando muito dinheiro, por que deveriam pagar menos
imposto que outras atividades financeiras? E vale lembrar que a proposta inicial
do governo, quando da regulamentação do setor, já era de 18%, foi o Congresso
que reduziu esse percentual para 12%. A alteração vai respeitar a noventena
prevista em lei, só vale no quarto mês após a publicação.
Aliás, é importante lembrar que nem todas as medidas têm efeito imediato, a
mudança de imposto de renda sobre juros sobre capital próprio e de LCI e
LCA, por exemplo, só valem a partir de 1º de janeiro de 2026.
A grande crítica feita é que ficou faltando o governo apresentar o corte de
gastos, mas toda vez que o governo propõe corte de gastos, o Congresso recusa.
O Congresso, aliás, já está dizendo que vai recusar a Medida Provisória. O
problema é que o governo tem, de um lado, uma oposição que quer criar
problemas, vimos ontem o que aconteceu na audiência da Câmara. De outro
lado, o governo tem uma base infiel. Muitos parlamentares que são da base do
governo são filiados a partidos como o União Brasil, PP, que, na verdade,
também são de oposição, e já estão pensando em 2026.
Eles falam que a sociedade não aguenta mais pagar impostos. Realmente, a
sociedade não aguenta mais. Mas o que o ministro está propondo é tributar
quem não paga ou paga menos do que a massa da população, e essa discussão
não está sendo feita. Haddad não está conseguindo fazer esse debate,
justamente, devido à gritaria. É mais fácil dizer que não se pode elevar tributos
do que discutir no detalhe onde é preciso, de fato, fazer correções em prol,
inclusive, de uma maior justiça tributária.