Banco grande volta a perder fatia de mercado em gestão
Por Adriana Cotias — De São Paulo
Fonte: Valor Econômico
Os grandes bancos voltaram a perder participação de mercado no setor de
gestão de recursos, após ganharem alguns pontos percentuais no primeiro
trimestre. No conjunto, BB Asset, Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa e Santander
reduziram a sua fatia de 64,6% para 63,4% entre julho de 2022 e julho de 2023.
No fechamento do primeiro semestre, já de notava tal dinâmica. A compilação
dos dados é da Morningstar que exclui da sua amostra fundos de fundos e em
cotas.
No grupo top 5 do setor financeiro, a única gestora que incrementou a sua fatia
entre um ano e outro foi a Bradesco Asset, de 9,29% para 9,71%. A BB Asset,
maior patrimônio da indústria, com R$ 1,4 trilhão, foi a que mais cedeu espaço
para a concorrência, saindo de 26,11% para 25,43% em 12 meses. Segue como
líder inconteste do segmento.
Foram as assets abaixo da linha dos gigantes do setor que ganharam parcelas
marginais, mas num rouba-monte desigual. Foi um período em que o segmento
de fundos de investimentos desidratou, com resgates de mais de R$ 205 bilhões
no ano, com migração para títulos bancários e de dívida corporativa.
No ano, até julho, as que mais captaram foram Sicredi, BTG Pactual,
SulAmérica, Crédit Agricole (adquirida pelo Safra) e Bradesco (ver tabela).
Ampliando-se a lista, entre casas independentes, chama a atenção a Genoa
Capital, com ingresso líquido de R$ 2,9 bilhões no ano, Ace Capital (R$ 2,3
bilhões) e AZ Quest (R$ 2 bilhões).
Já na direção oposta aparecem Itaú Unibanco, Caixa, BB, Santander e Credit
Suisse. Entre os dez piores fluxos é possível observar gestoras independentes
de referência como Verde (resgates líquidos de R$ 8,2 bilhões no ano), SPX
Capital (-R$ 6,1 bilhões) e Ibiúna (-R$ 3,7 bilhões).
“Mais de 900 gestoras disputam o mercado, algumas muito nichadas, focadas
numa única estratégia, e essa é sempre uma dúvida que paira: as assets dos
bancões vão perder espaço?”, observa Mario Roberto Perrone Lopes, diretor
comercial da BB Asset. “Olhando os dados da indústria, a BB Asset mantém a
liderança há mais de 30 anos, sendo ligada a bancão, e nos últimos cinco anos
manteve o ‘share’ em torno de 20%. Não ganhou mercado, mas não perdeu
mesmo com todos os entrantes.”
Foi durante os anos de taxas decrescentes de juros, quando a Selic caiu de
14,25% ao ano entre 2016 até os 2% do início de 2021 que as assets
independentes se multiplicaram com maior intensidade. Pelos dados da
Anbima, o setor ainda cresceu 10,7% em número de gestoras em 12 meses até
junho, com 951 casas.
Ocupar a liderança no setor e estar fisicamente perto do cliente pela capilaridade
das agências do Banco do Brasil não significa fechar os olhos para a competição,
afirma Perrone. “A gente tem consciência do desafio e tem procurado fazer o
dever de casa, primeiro em relação a produto. Há um trabalho forte de
ampliação da grade com alternativas mais sofisticadas.”
O executivo conta que, no ano passado, a asset criou algumas células
especializadas, a exemplo de uma estratégia de volatilidade (“high alfa”) para
capturar um retorno mais adequado em ciclos de queda de juros. Abriu uma
frente quantitativa para usar inteligência de dados na gestão e ampliou o número
de parcerias com assets globais para oferta de fundos no exterior. De lá para cá
também selou acordo de distribuição com a Occam num fundo de crédito
privado, e com a Trígono, para uma carteira de ações, que inclui um olhar para
as “small caps”, de menor capitalização na bolsa.
Com o início do processo de corte da Selic neste mês, em 0,50 ponto percentual,
para 13,25% ao ano, Perrone diz já ver algum fluxo para as alternativas de maior
risco partindo principalmente do private banking, de clientes mais
endinheirados. O compromisso, contudo, é manter uma oferta ampla para
todas os segmentos de clientes, o varejo tradicional, alta renda, o setor público
e as empresas.
A Bradesco Asset conseguiu se defender do período mais crítico para ativos de
crédito, quando houve a crise com Americanas e Light, e capturou bons
resultados com a redução das taxas de juros negociadas no secundário na
sequência, diz o CEO, Bruno Funchal. “Nenhum fundo teve cota negativa e o
máximo foi ficar próximo do CDI. Claro que o ‘spread’ abriu um pouco e
alguns fundos deram menos de 100% do CDI em alguns meses, como o de
debêntures incentivadas, que ficou a 80%. Mas nesse período apareceram coisas
interessantes”, lembra o executivo. A carteira já dá 200% do referencial, e com
isenção de imposto, ressalta. Os investidores entenderam o racional e o
momento, com um trabalho educativo da distribuição.
Pelo lado do passivo, Funchal diz que a asset adotou uma estratégia mais aberta
para fora do banco, captando recursos com investidores institucionais e
gestoras de fortunas. “Comparado com o todo ainda é pequena. Mas estamos
entrando numa piscina nova que praticamente não tinha nada e deve ser cada
vez mais relevante.”
Olhando para o mercado, o executivo diz ver o fluxo deixando aquela “sangria”
para trás e se estabilizando nos fundos de maior risco, que tendem a performar
bem em ciclos de queda de juros. “É natural que haja um influxo para ações e
multimercados, mas os juros ainda são muito altos.”
O primeiro semestre de 2023 foi de longe o mais difícil para o setor de gestão
de recursos em mais de uma década, com um encadeamento de eventos, diz
Allan Hadid, sócio da asset do BTG Pactual. Ele lista as incertezas no cenário
internacional, a política do novo governo com o embate sobre taxas de juros
com o Banco Central e o estouro de casos de crédito corporativo. Além disso,
houve mudanças na regulamentação de fundos e seguem as discussões sobre
taxação de carteiras destinadas à gestão patrimonial de famílias abastadas.
“E a indústria não performou. Quando se olha para os rankings de fundos de
crédito, multimercados e mesmo ações, muitos estão perdendo em relação aos
índices”, diz Hadid.
No caso do BTG, ele avalia que foi um primeiro semestre não muito bom, “mas
bom” em termos relativos. Apesar da exposição pequena em debêntures da
Americanas em poucos fundos, o caso deu trabalho e o plano de voo da asset
foi repensado a partir dali para uma oferta mais aderente. “A gente foi escutar
o investidor, seja pessoa física no varejo, seja alta renda ou o institucional, e
entender o que eles buscavam”, diz Hadid.
Pós-Americanas, a procura se concentrou em carteiras de renda fixa de baixo
risco, com títulos públicos e papéis de emissão bancária de primeira linha.
Depois, o investidor voltou para fundos com crédito corporativo de alta
qualidade (“high grade”). A partir de abril, o executivo diz que o BTG começou
a captar também em multimercados, estratégias de renda fixa ativa, além de
portfólios focados em infraestrutura, de mais longo prazo.
Agora, com a queda das taxas de juros, uma maior previsibilidade da política
econômica e talvez uma desaceleração mais suave da atividade nos Estados
Unidos, várias incertezas do primeiro semestre “desaparecem ou ficam mais
leves”, imagina Hadid. “As perspectivas parecem melhores do que quando
começou o ano, estou mais animado, 2022 parecia que não tinha terminado.”
Na liderança de captação no ano, com R$ 8,4 bilhões, a asset do Sicredi tem se
beneficiado do crescimento orgânico das cooperativas ligadas ao sistema, afirma
o diretor de gestão Ricardo Sommer. Ele diz que o fluxo foi bem equilibrado
em todas as classes. Foi uma das poucas casas que não perdeu volume em
crédito privado na esteira da crise de Americanas e Light no início do ano. “A
gente tinha exposição a crédito menor e mais curta porque entendia que os
ativos não estavam bem avaliados pelo mercado, os prêmios não eram
condizentes. A revisão foi acelerada pelos eventos corporativos”, diz Sommer.
A captação em previdência também ajudou a aumentar o bolo. Em geral, o
investidor típico do Sicredi é mais conservador, com mais de 60% do
patrimônio da asset em carteiras de renda fixa. Até tem dinheiro novo para
fundo de ações ESG, mas por se tratar de uma oferta mais nova, criada no fim
de 2021, diz Sommer. Em 2022 não houve recomendação veemente para essa
diversificação pelo próprio ciclo de juros, mas neste ano já há mais disposição
do investidor para estratégias ligadas à bolsa.
Na Ace Capital também é a previdência que vem fazendo diferença, conta Maria
Rita Hilst, sócia-responsável por relacionamento com investidores. Fundada no
fim de 2019, pouco antes de a pandemia de covid-19 abalar o planeta, ela diz
que o controle de risco rigoroso permitiu colocar “a bola no chão, em março
[de 2020], e voltar ao jogo e recuperar para o ‘high’ [ponto máximo] da cota”.
“A gente brinca que não é de dar porrada [de desempenho], mas quando o
investidor vê consistência em relação ao ‘benchmark’, isso traz fidelização.”
Ter entregue performance consistente no período em que a indústria de
multimercados foi bem e também quando foi mal, ajudou a Genoa ser
reconhecida pelos cotistas e alocadores, diz Rodrigo Noel, sócio responsável
por operações na asset, que nasceu três anos atrás liderada por um trio que
integrava o time multimercado Hedge Plus, do Itaú. “É reflexo dessa equipe
entrosada, não só dos gestores, mas desde a captura de dados, o tratamento, é
resultado de 63 pessoas que trabalham na empresa.”
Ao abrir a atribuição de resultados desde o início, o executivo diz que veio muita
coisa do mercado internacional, de posições bem diversificadas, sendo a
somatória de muitas teses. “A gente investe muito em tentar gerar vantagem
comparativa em mercados menos explorados”, diz Noel, sem deixar de lado
Brasil ou Estados Unidos. Com o principal multimercado da casa, o Radar,
fechado para novas aplicações, é a versão de previdência que tem absorvido os
novos recursos, em parcerias com as diversas seguradoras e plataformas.