14/06/2023

Auditor alertou Americanas de problema em bonificação por duas vezes e sugeriu mudanças

Por Adriana Mattos, Valor — São Paulo
Fonte: Valor Econômico
A auditoria externa da Americanas de 2016 a 2018 já havia alertado a empresa
e uma controlada pelo menos duas vezes de que era preciso fazer “melhorias
nos controles internos” da sua operação, em decorrência de acordos comerciais
entre a rede e seus fornecedores.
O assunto foi destacado como ponto de atenção pela KPMG nos relatórios
relativos aos anos de 2017 e 2018, da B2W, a empresa digital controlada pelo
grupo por anos, e dona de Submarino e Americanas.com. Ainda foi ponto de
atenção em outro parecer, do ano de 2018, relativo à Lojas Americanas.
A auditoria considerou esse assunto “significativo” por causa da “relevância dos
valores envolvidos, do elevado número de transações, algumas de natureza
complexa, e a seus possíveis impactos nas demonstrações contábeis individuais
e consolidadas e o valor do investimento registrado pelo método de
equivalência patrimonial nas demonstrações contábeis da controladora”.
A KPMG ainda disse que viu a necessidade de melhorias nos controles internos,
e por essa razão ampliou a análise do tema na época.
Os relatórios da auditoria são parte das demonstrações financeiras publicadas
pelas empresas abertas e trazem as conclusões da análise dos números
apresentados pela administração da empresa. O documento lista os principais
pontos de atenção do auditor e o que foi feito durante a avaliação do assunto.
Inconsistências não resolvidas podem resultar em ressalvas no relatório.
O conselho de administração pode fazer recomendações e solicitar mais dados
e análises, com base em problemas identificados pelos auditores.
Em 2018, o conselho de administração da Americanas tinha como membros
Beto Sicupira, Paulo Lemann (filho de Jorge Paulo Lemann) e Miguel
Gutierrez, ex-presidente da Americanas.
O Valor já havia destacado o tema em reportagem publicada em fevereiro, pelo
fato do alerta já ter chamado a atenção de auditores de varejo que analisaram
relatórios anuais da rede.
Mais pareceres
Em 2017, outro parecer relativo a B2W também considerava esse assunto
“significativo” para a consultoria, pela complexidade e pelos altos volume de
transações envolvidas.
Essas informações referiam-se à bonificação que indústrias pagam para a
empresa, para ações de marketing e promoções, por exemplo.
“O que se percebe é que a operação comercial com fornecedores estava ficando
mais complexa, pelo que a própria KPMG afirma sobre a bonificação”, disse
um auditor ouvido pelo Valor em fevereiro.
A análise da KPMG não citava as operações de risco sacado, o centro do
escândalo contábil envolvendo a rede, pelo que se sabia segundo primeiro fato
relevante da empresa, de 11 de janeiro.
Em seu relatório de 2018, a KPMG informa que foram avaliados o sistema de
controle da rede e a análise das comunicações e correspondências com os
fornecedores. Ainda foi verificado se a bonificação poderia entrar como redutor
dos custos das compras da indústria.
Em linhas gerais, a bonificação envolve valores pagos por metas acordadas com
fabricantes e podem ser atingidas ou não.
Se o objetivo de venda, após ações de marketing, por exemplo, é alcançado, tem
que contabilizar a soma negociada como redutor de custo de mercadoria
vendida. Mas se, após a venda, a meta não é alcançada, o valor não pode ser
contabilizado na conta de custos de mercadorias vendidas — e se já o foi, é
preciso fazer o estorno no trimestre seguinte.
Em 2018, nos pareceres da B2W e da Lojas Americanas, a auditoria diz que
“durante a realização dos procedimentos de entendimento dos sistemas de
controle interno da companhia e a realização dos testes de desenho,
identificamos a necessidade de melhorias nos controles internos, e por esta
razão consideramos uma maior extensão em nossos procedimentos
substantivos”.
A KPMG deixou a função de auditor logo depois, em 2019.
Troca de auditores
A KPMG ficou pouco mais que o prazo mínimo de três anos definido segundo
regra de rodízio imposta pela Comissão de Valores Mobiliários — esteve na
função do início de 2016 ao segundo trimestre de 2019.
A partir do terceiro trimestre de 2019, a PwC voltou a auditar o balanço da
B2W e da Lojas Americanas, permanecendo até hoje.
Após a troca da KPMG pela PwC, o tema da bonificação não voltou ao parecer
como ponto de atenção em nenhum dos anos seguintes.
Em ambos os relatórios da auditoria, de 2017 e de 2018, a KPMG considerava,
ao final da análise, “aceitável” o saldo registrado de acordos comerciais pelas
empresas da Americanas.