04/07/2023

Americanas diz a administrador judicial que não tem atas do comitê de auditoria

Por Adriana Mattos, Valor — São Paulo
Fonte: Valor Econômico
A Americanas disse ao seu administrador judicial que não tem as atas das
reuniões do comitê de auditoria ocorridas na B2W, braço digital que estaria no
centro das fraudes da empresa. A informação consta em documento entregue à
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no fim da noite de sexta-feira.
A varejista foi questionada, em março e maio, pelos administradores da
recuperação judicial da rede, a Preserva-Ação e o escritório de advocacia
Zveiter, sobre as atas das reuniões do comitê de autoria de todas as empresas
do grupo, desde a criação das suas empresas — especialmente as da B2W
Digital, sobre as quais recaem boa parte das suspeitas de fraude, e da Lojas
Americanas.
Em e-mail, a Americanas respondeu aos administradores que não era
obrigatória a produção de atas pelo comitê. O teor do e-mail foi publicado no
documento e faz parte do relatório complementar dos administradores tornado
público na sexta-feira.
Na resposta enviada ao administrador, a Americanas não classifica a falta das
atas das reuniões como uma falha de sua governança.
Porém, o regimento interno da B2W de 2018, que está no site de relações com
investidores da Americanas, determina que assuntos, orientações, discussões,
recomendações e pareceres do comitê, discutidos em reunião “deverão ser
consignados em ata, que será assinada pelos participantes”. Regimento de anos
seguintes a 2018 tem o mesmo teor.
O administrador busca as atas porque esses documentos precisam registrar os
pontos relevantes das discussões, as providências solicitadas e eventuais pontos
de discordância entre os membros.
Ainda pelo regimento da B2W, uma cópia da ata das reuniões do comitê tem
que ser obrigatoriamente encaminhada à presidência do conselho de
administração, que, no caso da B2W, por anos foi ocupada por Anna Saicali e
Miguel Gutierrez, ex-diretora e ex-CEO — ambos já estão fora da empresa.
Jorge Felipe Lemann, filho de Jorge Lemann, um dos acionistas de referência
do grupo, também foi conselheiro na B2W no período a que se referem os
pedidos de atas.
O comitê de auditoria teria que assessorar o conselho de administração, e tem
como dever avaliar, monitorar, e recomendar à administração a correção ou
aprimoramento das políticas internas.
Essas atas ainda devem ser documento de análise das investigações do comitê
independente e da CVM, em uma série de procedimentos abertos sobre o caso.
Sem ‘produção formal’
A Americanas relata, no e-mail ao administrador, que as reuniões do comitê de
auditoria da B2W Digital ocorriam trimestralmente, em momento
imediatamente anterior à reunião do conselho de administração. “Considerando
que os membros do comitê de auditoria sempre foram os mesmos que
ocupavam as cadeiras de membros independentes do conselho de
administração, tais reuniões não exigiam obrigatoriamente a produção formal
de atas específicas”, afirma a rede ao administrador.
O comitê de auditoria da B2W cumpria um mandato que coincidia com o prazo
de mandato dos membros do conselho de administração, sendo permitida
reeleição. Os integrantes do comitê de auditoria eram nomeados pelo conselho
de administração, exclusivamente entre os conselheiros independentes.
Dois conselheiros de comitês de varejistas ouvidos hoje afirmam que é
procedimento padrão registrar em atas as reuniões dos comitês. E o conselho
de administração tem a obrigação de requerer o documento, até para a sua
própria orientação.
“Comitê de auditoria, que envolve questões de risco e compliance, tem agenda,
frequência, pauta, coordenador, secretariado, material enviado com
antecedência para leitura de todos, discussão, deliberação, ata e depois
acompanhamento. É o que uma boa governança preza”, diz uma das fontes de
comitê ouvida.
A B2W, que até a fusão com a Lojas Americanas estava no nível 1 de
governança na B3, possuía comitê de auditoria estatutário integralmente
composto por membros independentes desde sua criação, em 2006.
Pesquisa nos documentos enviados à CVM de 2006 a 2021 (quando a B2W
virou Americanas) mostra apenas uma ata de comitê de auditoria disponível
pela empresa ao mercado, em março de 2010.
‘Nada localizado’
A respeito da Lojas Americanas, o braço físico do grupo, a resposta ao e-mail
indica que nada foi encaminhado.
“Não localizamos atas de eventuais reuniões realizadas pelo comitê de auditoria
em período anterior a agosto de 2020”, diz a rede, sobre a Lojas Americanas.
A respeito da empresa decorrente da fusão de B2W e Lojas Americanas,
ocorrida em meados de 2021, foi encaminhada apenas a ata de janeiro de 2023.
Link sigiloso
A varejista afirma, na resposta ao administrador, que, para contribuir com os
questionamentos enviaria um link específico com apresentações realizadas em
reuniões do comitê de auditoria da B2W Digital no período de três anos (2019
a 2021), apesar de o comitê existir desde 2006.
Ocorre que o link foi colocado sob sigilo pelo administrador, a pedido da
Americanas.
Entre os dados públicos ao administrador, a Americanas informou que, em
“entradas de vendas” foram R$ 1,72 bilhão em maio — a metade de maio de
2022. O valor vem subindo mês a mês, entre R$ 100 milhões e R$ 200 milhões.
Em 12 de janeiro, um dia após o anúncio do rombo contábil, o grupo somava
43.123 empregados sob regime CLT, e em 18 de junho, eram 36.971 pessoas,
ou seja, 6,1 mil funcionários a menos.
O percentual de ocupação de área de estoque ficou em 53% em maio, perto dos
54% de abril. Desde janeiro, 38 lojas foram fechadas, somando 1.842 pontos
de venda em maio.
Procurada, a Americanas não se manifestou.