AGU é contra municípios entrarem com ação no exterior
Por: Laura Ignacio
Fonte: Valor Econômico
A Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou contra a participação
direta de municípios brasileiros em ações judiciais que tramitam em outros
países. O posicionamento vai integrar a ação proposta pelo Instituto Brasileiro
de Mineração (Ibram) - que reúne as maiores mineradoras do país - para que
o Supremo Tribunal Federal (STF) declare esse tipo de medida
inconstitucional. Contudo, para o órgão, os ministros sequer deveriam
analisar o tema.
O pano de fundo dessa manifestação são as ações coletivas movidas pelo
escritório britânico Pogust Goodhead e parceiros fora do Brasil contra
empresas do setor como o Grupo BHP e subsidiárias da Vale. Nelas, pedem
indenização por prejuízos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão,
em Mariana (MG), no ano de 2015 - que deixou 19 mortos, centenas de
desabrigados e provocou sérios danos ambientais. Na Holanda, a causa é de R$
18 bilhões. No Reino Unido, de R$ 230 bilhões.
Nessas ações, o Pogust Goodhead representa familiares de vítimas e municípios
prejudicados pelo desastre. Para a AGU, os municípios brasileiros, contudo,
não detêm legitimidade para, em nome próprio, promover ações judiciais em
outras jurisdições; e atos de municípios para o ajuizamento de ações no exterior,
envolvendo fatos ocorridos no Brasil e regidos pela legislação brasileira, são
inconstitucionais.
Essa ação em andamento no STF é a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) nº 1178, ajuizada pelo Ibram com pedido de medida
cautelar (urgente). No entendimento das mineradoras, municípios entrarem
com ação judicial lá fora contraria a Constituição Federal, em especial a
soberania nacional, o pacto federativo, a organização e as competências
atribuídas ao Poder Judiciário brasileiro, assim como os princípios que orientam
a atuação da administração pública, em especial na esfera municipal.
Atuando na ADPF como representante do Consórcio Público para a Defesa e
Revitalização do Rio Doce (Coridoce), que reúne os municípios atingidos pelo
rompimento da Barragem de Fundão, o ex-ministro da Justiça José Eduardo
Cardozo diz que essa manifestação da AGU era esperada. “Nenhum ente
federativo gosta de abrir mão do que lhe favorece e a tese do Ibram favorece a
subordinação dos Estados e municípios à União”, afirma.
Cardozo discorda parcialmente do posicionamento da AGU. “Discordo da
defesa da castração da atuação de Estados e municípios dessa forma, é um viés
até autoritário sob certo aspecto”, diz. Para ele, Estados e municípios terem que
pedir autorização para tudo ao governo federal prejudica a saúde federativa.
“Do ponto de vista processual, a União é coerente ao entender que a Corte não
deveria analisar o pleito porque o Ibram não tem legitimidade para propor a
ADPF”, acrescenta.
Um pouco antes da manifestação da AGU, a Coridoce apresentou sua
manifestação na ADPF. Por meio dela, os municípios que fazem parte do
consórcio apontam que uma decisão na ação do Ibram impactará todos os
Estados e municípios com ação em andamento no exterior, ou que celebraram
contratos e convênios com organismos internacionais e empresas de outros
países.
A Coridoce pede que sejam solicitadas informações a todos os Estados e
municípios brasileiros nessa situação, para que se manifestem sobre os impactos
da ADPF sobre essas ações, contratos e convênios. Na manifestação, cita mais
de dez casos. “Na pandemia, Estados foram ao exterior, por exemplo, fechar
convênio para obter vacinas”, diz Cardozo.
Essa ação, acrescenta, “afeta não só os municípios atingidos pelo desastre em
Mariana, mas todos os Estados e municípios, principalmente os que já têm
demanda no exterior”. “Diante da amplitude do objeto da ação pedimos que
sejam ouvidas as demais partes que serão afetadas”, afirma. Segundo o exministro,
qualquer Estado ou município poderá pedir para entrar como amicus
curiae (parte interessada) na ADPF. “O Ibram mirou na Inglaterra, mas atinge
muitos alvos no Brasil.”
Relator da ADPF, o ministro do STF Flávio Dino poderá acolher ou rejeitar os
argumentos da AGU, assim como o pedido da Coridoce. Se aceitar o pedido
dos municípios, deverá intimar os governos, que teriam 10 dias para se
manifestar. Somente depois disso Dino elaboraria seu voto e o processo poderia
ser colocado na pauta de julgamentos da Corte.
Procurado pelo Valor, o Ibram reafirmou os argumentos na ADPF, mas não
se pronunciou sobre as manifestações da AGU ou da Coridoce. O julgamento
do processo em andamento no Reino Unido está previsto para o mês de
outubro.